Jesus
foi taxativo: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,19). No
Apocalipse está bem decodificada esta sábia orientação do Mestre Divino:
“Permanece fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida” (Ap 2,10).
Muitos
pensam que o heroísmo do batizado só se dá no caso dos mártires, quando “o
discípulo se assemelha ao Mestre divino que aceitou livremente a morte pela
salvação do mundo e se identifica com ele no derramamento do sangue” (Lg 42).
No entanto, fiel até o fim da carreira terrena deve ser ininterruptamente todo
cristão. Nas mais diversas atividades de sua vida e no seu enfoque total é
necessário que se multipliquem os atos heróicos e o exercício da fidelidade
total não apenas na prática de uma ou mais virtudes, mas na tendência habitual
à perfeição.
Através dos tempos, felizmente, são inúmeros os que procuram
penetrar na teologia da santidade de vida e, de modo peculiar na teologia da
caridade. Isto provém do fato de que a humanidade inteira, e, portanto, cada
pessoa humana particular é chamada em Cristo a uma vida de íntima união com a
Santíssima Trindade. Trata-se justamente da participação da vida de amor
trinitário que se prolonga lá dentro de quem está em estado de graça. Esta
união de amor com Deus que robustece a fidelidade a Ele só se consumará
plenamente na outra vida.
No entanto, já é realidade agora no tempo, porque no
batismo o ser humano é incorporado a Cristo, e em conseqüência, por obra do
Espírito Santo começou a viver uma vida nova. Isto significa por sua vez que o
cristão põe em marcha o processo da transformação radical do homem batizado
que, segundo a dinâmica do amor divino deve levá-lo a conformação e
identificação cada vez maiores e mais profundas com a pessoa do Verbo encarnado
e redentor de todos.
Justamente este processo de progressiva assimilação a
Cristo é que exige e postula a fidelidade total da parte daquele que está
engajado no Mestre divino. Todo esforço, porém, da parte de cada um é obra do
amor de Deus, cuja graça nunca é negada a quem faz de sua parte. Eis porque São
Paulo pôde afirmar: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza”. (Fp 4,13).
Ser inteiramente fiel a Deus transcende absolutamente a capacidade natural do
homem, motivo pelo qual não é nem pode ser fruto de voluntarismo humano. Por
outro lado, exatamente por se tratar de união interpessoal entre Deus e o homem
e por querer Deus comunicar seu amor, o homem não pode experimentar esta
transformação mantendo-se em pura passividade. Vale aqui máxima: “Ajuda-te que
o céu te ajudará”. Ao convite amoroso de Deus o ser racional, precedido e
sustentado pela ajuda divina, deve responder com lealdade incondicional e
total, que longe de esgotar-se em veleidades estéreis ou sentimentalismo fátuo
precisa ser gesto ativo em grau máximo. É claro que não se trata de uma
trajetória fácil e rápida. Tal transformação de todo o ser humano através da
fidelidade constante é processo que enfrenta graves dificuldades, pois é
necessário coragem para transcender os limites da própria pequenez e se
abandonar generosamente à atividade divina.
Mesmo o cristão está atingido por
tendências egocêntricas que o impelem constantemente a fechar-se em si mesmo e
a cair no desânimo perante as próprias fraquezas. Viver na mais absoluta
fidelidade a Deus é luta constante e duríssima que exige autêntico heroísmo,
mas que não é tarefa impossível. São Paulo no fim de sua existência pôde dizer:
“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada
para mim a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz me dará naquele dia; e não
somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor a sua manifestação
gloriosa” (2 Tm 4,7-8). Um dos meios para a vivência desta fidelidade cristã é
a redescoberta da prece e da tradição dos grandes místicos.
O batizado que quer
ser continuamente fiel precisa encontrar o sentido da prece solitária, da
adoração a Deus, Ser Absoluto, e da contemplação das maravilhas divinas. Deus,
Senhor de tudo, está realmente presente em cada alma. Seu amor é incomensurável
e gratuito, é graça. A graça requer doação total e sem restrições ao Ser
Supremo. Ela quer somente disponibilidade e fidelidade como aconteceu com o
Apóstolo. Exige uma total simplicidade diante do Todo-Poderoso numa sinceridade
que purifica inteiramente a alma.
Côn José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos
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