Éscaton é uma
palavra grega que significa aquilo que vem em último lugar, isto é, a realidade última. Portanto, a Escatologia é aquela
parte da fé e da reflexão teológica que se ocupa daquilo a que tradicionalmente
se chamava os últimos tempos do homem e do mundo. É portanto uma questão
de futuro; mas igualmente de presente, do presente da existência cristã, na
medida em que é o Reino que há-de vir que fecunda e define a Esperança da
existência cristã.
A revelação de Deus em Jesus Cristo é vivida, desde o princípio
ao fim da nossa dimensão carnal, numa total abertura a um Futuro que, desde a
Ressurreição de Jesus, é já um presente (uma realidade), mas em cada um de nós
é apenas uma espécie de levedura ou de um germe. Por isso, nenhuma realidade seja da nossa fé seja da nossa
humanidade escapa a esta contínua tensão entre o já (da nossa existência)
e o ainda não prometido aos que acreditarem no Filho de Deus.
É urgente que todos nós, os cristãos deste tempo, nos
debrucemos sobre esta questão do nosso fim último, pela qual passamos tão
distraidamente quanto distraidamente recitamos aquelas palavras do Credo:
[Creio em Jesus Cristo] Senhor que há-de vir a julgar os vivos e os mortos,
[creio] na ressurreição da carne e na vida eterna.
É urgente que nos debrucemos sobre esta questão do nosso fim
último, tanto mais quanto tradicionalmente a reflexão comum dos cristãos comuns
ignora esta parte da fé, e ainda porque não há certamente nenhum setor da
teologia mais "sujeito a armadilhas" e às fantasias da imaginação,
mais vulnerável ao gosto do fantástico e do maravilhoso, mais contaminado e
desnaturado pelas mitologias e por uma ideia dualista do homem (corpo + alma)
frontalmente oposta à concepção bíblica que esta. A ideia do "além" -
céu, inferno e purgatório - tem sido muitas vezes o triste ponto de encontro de
projeções ilusórias da angústia humana, desesperadas ou confiantes. Dizer que
"o inferno são os outros" ou que o céu apagará todas as injustiças,
nomeadamente as que espezinham e matam os pobres, é quase a mesma coisa.
Hoje em dia, muitas destas representações já não merecem
crédito à maioria dos cristãos. Mas,
retirada esta linguagem cultural, e histórica portanto, fica alguma coisa? Ou
seja: os conteúdos que os antigos veiculavam (ensinavam e aprendiam) com estas
categorias eram válidos, e temos portanto de formulá-los hoje numa linguagem diferente,
ou vamos deitá-los fora pura e simplesmente porque não eram verdadeiros? Aprendemos
mais ou menos todos na Catequese que os fins do homem eram a morte, o juízo, o
inferno e o paraíso, e que a morte era a separação do corpo e da alma. Nessa
concepção, a alma deixava o corpo e emigrava quer para o céu quer para o
inferno, talvez temporariamente para o purgatório, depois de um primeiro
julgamento de Deus - juízo particular - levado a cabo talvez por seu
ministro da justiça S. Miguel que pesava as almas e as despachava em
consequência. Entretanto, o corpo material desaparecia, por corrompido. No fim do mundo Deus juntaria os bocados, como?,
donde?, e haveria a ressurreição geral dos corpos. Era a altura do juízo
universal. Nessa altura, desapareceria então o purgatório, ficando para
sempre o céu e o inferno, a bem-aventurança e a condenação eternas.
Assim sendo, cada um devia ocupar-se da sua salvação.
Claro que haveria também o fim da história, e, nessa altura, o regresso de
Cristo (a sua segunda vinda), por outras palavras a dita Parusia. Não haveria
mais este mundo, mas um outro, eterno e radicalmente diferente deste. Mas esta
perspetiva coletiva quase não tinha qualquer interesse prático. Importante era
cada um viver cristãmente neste mundo, e, deste modo, preparar-se para ter uma
boa morte. Assim se evitava o inferno e merecia o céu. A vida cristã não era
uma arte de bem viver, antes a preparação de um bem morrer. Além disso, era
preciso socorrer fraternalmente as almas do purgatório, com missas de
preferência e indulgências, pois que assim se lhes abreviava o tempo de
cativeiro.
Claro que esta evocação dos novíssimos, tal qual era feita não
há muito tempo, é algum tanto caricatural. Mas a que anda por aí não é muito
diferente. E há ainda muita gente dependente desta geografia eterna. Não que
ela não tivesse servido no passado para veicular conteúdos verdadeiros em
determinados contextos histórico-culturais. Mas é preciso reconhecer-lhes
deficiências graves.
Assim, por exemplo, o acento individualista que se dava à
Escatologia, a tal ponto que desaparecia praticamente o destino comum da
Humanidade. Por outro lado, a mais recente reflexão filosófica, antropológica,
e mesmo a cristã, ultrapassou por completo a visão dualista grega segundo a
qual cada homem era a soma de dois elementos diferentes, o corpo e a alma,
assim a modos de um pingo que se consegue com uma mistura de café e de
leite, mas sem que qualquer dos dois deixe de ser o que é.
É preciso portanto fazer uma leitura mais correta e mais fiel
às fontes do futuro do Homem e do Mundo, na perspetiva da Revelação. Não é
fácil a tarefa. Os próprios teólogos, os maiores, ainda não afinam
completamente acerca deste assunto. Mas é já possível corrigir erros de
perspetiva e afirmar, de maneira mais correta, as grandes certezas e os grandes
eixos de toda a reflexão cristã sobre o Futuro do Homem e do Mundo.
Arlindo de Magalhães
Presbítero
Arlindo de Magalhães
Presbítero
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