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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A escatologia cristã







Éscaton é uma palavra grega que significa aquilo que vem em último lugar, isto é, a realidade última. Portanto, a Escatologia é aquela parte da fé e da reflexão teológica que se ocupa daquilo a que tradicionalmente se chamava os últimos tempos do homem e do mundo. É portanto uma questão de futuro; mas igualmente de presente, do presente da existência cristã, na medida em que é o Reino que há-de vir que fecunda e define a Esperança da existência cristã.

A revelação de Deus em Jesus Cristo é vivida, desde o princípio ao fim da nossa dimensão carnal, numa total abertura a um Futuro que, desde a Ressurreição de Jesus, é já um presente (uma realidade), mas em cada um de nós é apenas uma espécie de levedura ou de um germe. Por isso, nenhuma realidade seja da nossa fé seja da nossa humanidade escapa a esta contínua tensão entre o (da nossa existência) e o ainda não prometido aos que acreditarem no Filho de Deus.

É urgente que todos nós, os cristãos deste tempo, nos debrucemos sobre esta questão do nosso fim último, pela qual passamos tão distraidamente quanto distraidamente recitamos aquelas palavras do Credo: [Creio em Jesus Cristo] Senhor que há-de vir a julgar os vivos e os mortos, [creio] na ressurreição da carne e na vida eterna.

É urgente que nos debrucemos sobre esta questão do nosso fim último, tanto mais quanto tradicionalmente a reflexão comum dos cristãos comuns ignora esta parte da fé, e ainda porque não há certamente nenhum setor da teologia mais "sujeito a armadilhas" e às fantasias da imaginação, mais vulnerável ao gosto do fantástico e do maravilhoso, mais contaminado e desnaturado pelas mitologias e por uma ideia dualista do homem (corpo + alma) frontalmente oposta à concepção bíblica que esta. A ideia do "além" - céu, inferno e purgatório - tem sido muitas vezes o triste ponto de encontro de projeções ilusórias da angústia humana, desesperadas ou confiantes. Dizer que "o inferno são os outros" ou que o céu apagará todas as injustiças, nomeadamente as que espezinham e matam os pobres, é quase a mesma coisa.

Hoje em dia, muitas destas representações já não merecem crédito à maioria dos cristãos.  Mas, retirada esta linguagem cultural, e histórica portanto, fica alguma coisa? Ou seja: os conteúdos que os antigos veiculavam (ensinavam e aprendiam) com estas categorias eram válidos, e temos portanto de formulá-los hoje numa linguagem diferente, ou vamos deitá-los fora pura e simplesmente porque não eram verdadeiros? Aprendemos mais ou menos todos na Catequese que os fins do homem eram a morte, o juízo, o inferno e o paraíso, e que a morte era a separação do corpo e da alma. Nessa concepção, a alma deixava o corpo e emigrava quer para o céu quer para o inferno, talvez temporariamente para o purgatório, depois de um primeiro julgamento de Deus - juízo particular - levado a cabo talvez por seu ministro da justiça S. Miguel que pesava as almas e as despachava em consequência. Entretanto, o corpo material desaparecia, por corrompido. No fim do mundo Deus juntaria os bocados, como?, donde?, e haveria a ressurreição geral dos corpos. Era a altura do juízo universal. Nessa altura, desapareceria então o purgatório, ficando para sempre o céu e o inferno, a bem-aventurança e a condenação eternas.

Assim sendo, cada um devia ocupar-se da sua salvação. Claro que haveria também o fim da história, e, nessa altura, o regresso de Cristo (a sua segunda vinda), por outras palavras a dita Parusia. Não haveria mais este mundo, mas um outro, eterno e radicalmente diferente deste. Mas esta perspetiva coletiva quase não tinha qualquer interesse prático. Importante era cada um viver cristãmente neste mundo, e, deste modo, preparar-se para ter uma boa morte. Assim se evitava o inferno e merecia o céu. A vida cristã não era uma arte de bem viver, antes a preparação de um bem morrer. Além disso, era preciso socorrer fraternalmente as almas do purgatório, com missas de preferência e indulgências, pois que assim se lhes abreviava o tempo de cativeiro.

Claro que esta evocação dos novíssimos, tal qual era feita não há muito tempo, é algum tanto caricatural. Mas a que anda por aí não é muito diferente. E há ainda muita gente dependente desta geografia eterna. Não que ela não tivesse servido no passado para veicular conteúdos verdadeiros em determinados contextos histórico-culturais. Mas é preciso reconhecer-lhes deficiências graves.

Assim, por exemplo, o acento individualista que se dava à Escatologia, a tal ponto que desaparecia praticamente o destino comum da Humanidade. Por outro lado, a mais recente reflexão filosófica, antropológica, e mesmo a cristã, ultrapassou por completo a visão dualista grega segundo a qual cada homem era a soma de dois elementos diferentes, o corpo e a alma, assim a modos de um pingo que se consegue com uma mistura de café e de leite, mas sem que qualquer dos dois deixe de ser o que é.

É preciso portanto fazer uma leitura mais correta e mais fiel às fontes do futuro do Homem e do Mundo, na perspetiva da Revelação. Não é fácil a tarefa. Os próprios teólogos, os maiores, ainda não afinam completamente acerca deste assunto. Mas é já possível corrigir erros de perspetiva e afirmar, de maneira mais correta, as grandes certezas e os grandes eixos de toda a reflexão cristã sobre o Futuro do Homem e do Mundo.

Arlindo de Magalhães

Presbítero

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