Jesus falava do
Reino de Deus às multidões que acorriam. Fazia isso com palavras simples, com
parábolas tiradas do dia a dia. E, no entanto, o seu falar exercia um fascínio
especial. O povo se encantava com o seu ensinamento, porque ele ensinava como
quem tem autoridade, não como os escribas. Inclusive os guardas enviados para
prendê-lo, ao serem questionados pelos sumos sacerdotes e pelos fariseus por não
terem cumprido as ordens, responderam:
“Ninguém jamais falou como este homem”
(Jo 7,46).
O Evangelho de
João nos apresenta também luminosos diálogos individuais, com pessoas como
Nicodemos ou a samaritana. Com os seus apóstolos, Jesus vai ainda mais em
profundidade: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, não mais recorrendo a
figuras; eles sentem-se conquistados, e não voltam atrás nem mesmo quando não
compreendem completamente as suas palavras, ou quando elas parecem ser exigentes
demais.
“Esta palavra é dura” (Jo 6,60),
Responderam-lhe alguns discípulos quando o ouviram dizer que
lhes daria o seu corpo para comer e o seu sangue para beber.
Jesus, vendo que os discípulos se retiravam e não iam mais com ele,
dirigiu-se aos doze Apóstolos:
“Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67)
Pedro, que já se sentia vinculado a Jesus para sempre, fascinado pelas
palavras que tinha ouvido pronunciar por Ele desde o dia em que o encontrara,
respondeu em nome de todos:
“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6,68).
Pedro tinha
entendido que as palavras do seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros
mestres. As palavras que vão da terra para a terra pertencem à terra e têm o
destino da terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu.
Elas são uma luz que desce do Alto e tem a potência do Alto. As suas palavras
possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam
elas de filósofos, de políticos, ou de poetas. São “palavras de vida eterna” (Jo
6,68) porque contêm, expressam e transmitem a plenitude daquela vida que não tem
fim, porque é a própria vida de Deus.
Jesus
ressuscitou e vive. E as suas palavras, embora pronunciadas no passado, não são
uma simples recordação, mas são palavras que Ele dirige hoje a todos nós e a
cada pessoa de todos os tempos e de todas as culturas. São palavras universais,
eternas.
As palavras de
Jesus! Devem ter sido a sua maior arte, se assim pudermos dizer. O Verbo,
falando com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que inflexão, que
voz!
“Um dia – conta-nos, por exemplo, Basílio Magno (330-379, bispo de
Cesareia, um dos grandes Padres da Igreja) – como que despertando de um longo
sono, olhei a luz maravilhosa da verdade do Evangelho e descobri a vaidade da
sabedoria dos príncipes deste mundo.” (Ep. CCXXIII, 2)
Teresinha do
Menino Jesus escreve, numa carta de 9 de maio de 1897: “Às vezes, quando leio
certos tratados espirituais… o meu pobre e pequeno espírito não demora em se
cansar. Fecho o livro dos sábios, que despedaça a minha cabeça e resseca o meu
coração, e tomo em mãos a Sagrada Escritura. Então, tudo se torna luminoso para
mim; uma só palavra descortina horizontes infinitos à minha alma e a perfeição
me parece fácil” (Lettera 202; Scritti, Postulação Geral dos Carmelitas
Descalços, Roma 1967, p. 734).
Sim, as palavras divinas
saciam o espírito, feito para o infinito; iluminam interiormente não só a mente,
mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Elas dão a paz – aquela que Jesus
define sua: “a minha paz” – inclusive nos momentos de inquietação e de angústia.
Dão alegria plena, mesmo em meio à dor que por vezes atormenta a alma. Dão
força, sobretudo quando sobrevém a perplexidade e quando nos desencorajamos.
Libertam, porque abrem o caminho da Verdade.
“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6,68).
Esta frase
lembra-nos que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, mesmo quando as suas
palavras podem parecer duras ou exigentes demais: ser honesto no trabalho;
perdoar; preferir colocar-se a serviço do outro em vez de pensar de modo egoísta
em si mesmo; permanecer fiel na vida familiar; assistir um doente terminal sem
ceder à ideia da eutanásia…
São muitos os
mestres que nos induzem a adotar soluções fáceis, a fazer concessões. Queremos
escutar o único Mestre e segui-lo, a Ele, o único que diz a verdade, que tem
“palavras de vida eterna”. Assim também nós podemos repetir essas palavras de
Pedro.
Neste período de
Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos
colocar-nos efetivamente na escola do único Mestre e tornar-nos seus discípulos.
Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela Palavra de Deus. Vamos
acolhê-la com atenção quando for proclamada nas igrejas; vamos ler a Palavra,
estudá-la, meditá-la…
Mas nós somos
chamados, sobretudo, a vivê-la, de acordo com o ensinamento da Escritura:
“Todavia, sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós
mesmos” (Tg 1,22). É por isso que nós, consideramos sempre uma Palavra em
especial, deixando que ela nos penetre, nos modele, “seja ela a viver em nós”.
Vivendo uma Palavra de Jesus, vivemos todo o Evangelho, porque em cada uma de
suas Palavras Ele se doa inteiramente, é Ele mesmo que vem viver em nós. É como
se uma gota de sabedoria divina Dele, do Ressuscitado, lentamente fosse
escavando-nos por dentro e substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de
agir em todas as circunstâncias da vida.
Chiara Lubich
Nenhum comentário:
Postar um comentário