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terça-feira, 21 de maio de 2013

Maria, Estrela da Evangelização





A devoção a Nossa Senhora pertence aquilo que o Documento de Participação à Quinta Assembléia do Episcopado Latino-Americano e Caribe denomina substrato católico de nossa cultura. De acordo com João Paulo II, a devoção a Nossa Senhora é muito antiga. Ela nasceu ao pé da Cruz, quando Jesus, vendo ali a sua mãe e um de seus discípulos, disse a ela: “Mulher, eis o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe” (Jo 19,26). O evangelho não diz o nome do discípulo. Não o diz de propósito, pois aquele discípulo, que estava ao pé da Cruz, representava, naquele momento, todos os discípulos de Jesus: os daquele tempo, os que surgiram no decorrer da historia, os discípulos de hoje. E o evangelista, grande teólogo, afirma que o discípulo recebeu Maria em sua casa (cf.Jo 19,27). Esta casa é a Igreja. É também o coração do discípulo. Portanto, a devoção a Nossa Senhora pertence à identidade do discípulo de Jesus. O verdadeiro discípulo é aquele que reserva um lugar especial para Nossa Senhora, antes de tudo, na casa de seu coração.

Por que a devoção a Nossa Senhora é tão importante? A razão se encontra, antes de tudo, na maternidade divina de Maria. Deus, desde toda a eternidade, escolheu Maria para ser a Mãe de seu Filho feito homem. Não só a escolheu, mas também a preparou, com seus dons, para essa missão.No momento da anunciação, o Anjo saúda Nossa Senhora, mas não a chama pelo seu nome (Maria). Chama-a cheia de graça ( cf.Lc 1, 28). Este é o nome que Nossa Senhora tem diante dos olhos de Deus desde toda a eternidade. Graça designa, antes de tudo, uma pessoa divina: o Espírito Santo. S.Agostinho chama-o de Dom. O Espírito Santo é Deus que vem até nós como Dom, com presente. Dom de doação, isto é, Dom que produz em nós outros dons: a vida divina, seus carismas e seus frutos. Cheia de Graça significa, pois, plena do Espírito Santo. De fato, como ensina a Igreja, desde o primeiro instante da existência de Maria no ventre materno, o Espírito Santo ocupou todo o espaço de seu ser. Nenhum espaço restou para o pecado. Por isso, os cristãos orientais chamam Nossa Senhora a Toda Santa ( Panaguia) e, nós, ocidentais a chamamos a Imaculada. A Imaculada conceição de Maria é uma demonstração do primado da graça, de todas as maravilhas que Deus pode realizar em nós apesar de nossas limitações. Primado da graça significa também que nós não somos salvadores de nós mesmos. Nenhuma pessoa entregue a si mesma, sem a graça de Deus, pode merecer a salvação. Ela é obra do amor gratuito de Deus comunicado a nós. A plenitude da graça preparou Maria para ser o instrumento a fim de que Deus se tornasse, concretamente, o Emanuel (cf. Mt 1,23), isto é, um Deus em nós e conosco. Um Deus que entra em nossa história e arma a sua tenda entre nós: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14). Com o seu Fiat, com o seu “sim” de entrega total à vontade de Deus, Maria tornou o seu corpo inteiramente disponível para que o ingresso de Deus em nossa história chegasse ao seu ponto final. Ir além não é possível. Portanto, Deus tornou Maria a cheia de graça em nosso favor.

A devoção a Nossa Senhora é importante porque, além de mãe, ela é a primeira e mais importante entre os discípulos e discípulas de Jesus. Ela tornou-se discípula quando, pela primeira vez, tomou Jesus em seus braços. Segundo São Lucas, Maria guardava cuidadosamente e meditava em seu coração todos os fatos ocorridos com o Menino Jesus (cf.Lc 2, 19, 51). É a atitude do discípulo, que procura reter e assimilar tudo o que aprende com o mestre. Certamente que foi ela que comunicou a Lucas os fatos da infância de Jesus que o evangelista registra em seu evangelho.

O mesmo evangelista cita um fato ocorrido durante o ministério público de Jesus. Ele estava pregando. Uma mulher, no meio da multidão, fica extasiada com as palavras cheias de sabedoria e graça que saiam da boca de Jesus. Num certo momento, não se conteve mais. Resolveu fazer publicamente um elogio à Mãe de Jesus. Proclama bem alto: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!” ( Lc 11, 27). Certamente que essa mulher era uma mãe, pois só uma mãe é capaz de usar palavras tão belas e realistas. Jesus respondeu à mulher: “Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc 11, 28). Jesus afirmou que Maria era duplamente bem-aventurada. Bem aventurada por ser sua mãe, mas, também, bem-aventurada por ser sua discípula: ouvia a sua palavra e a colocava em prática.

A devoção a Nossa Senhora é importante porque ela exerce, junto de Jesus, uma mediação de intercessão materna e amorosa.Mediação que revela Cristo e o doa ainda mais à humanidade. É o que nos mostra simbolicamente a narrativa das Bodas de Caná. Maria ali se encontrava como mãe atenta. Por isso mesmo, foi a primeira a notar falta de vinho, que poderia causar uma grande tristeza aos noivos, que eram pobres, e aos convivas. Ela então dirigiu ao seu filho um pedido simples de mãe: “Eles não tem vinho” (Jo 2, 3). À primeira vista, parece que Jesus não vai atender ao pedido de Nossa Senhora, pois lhe respondeu: “Que temos nós com isso, mulher? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4). Trata-se da hora de revelar a sua identidade de Messias. Nesse momento, Maria lançou sobre Jesus um olhar de mãe. Como escreve João Paulo II, “um olhar penetrante, capaz de ler no íntimo de Jesus, a ponto de perceber os seus sentimentos escondidos e adivinhar suas decisões”(Rosarium Virginis Mariae, n.10). Portanto, um olhar que vai para além das aparências. Com a certeza de que seria atendida, ela disse aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5).. A constatação de Maria – “eles não tem vinho”- não foi apenas um pedido. Foi uma oração fervorosa, confiante e perseverante. Uma oração que expressa a audácia de sua fé.

Com o milagre de transformar a água em vinho novo, Jesus manifestou a sua glória, ou seja, manifestou a sua identidade de Messias, o ungido pelo Espírito Santo. Afirma o evangelho que os discípulos, ao presenciarem o milagre, creram que Jesus era o Messias (cf.Jo 2, 11). Maria, porém, antes de ver o milagre já havia crido nele com todas as forças de sua alma. Já havia crido que ele era o Messias. A fé de Maria é semelhante à fé de Abraão: fé que não se detém diante de nenhum obstáculo; fé capaz de esperar contra toda esperança.A presença de Maria nas bodas de Cana e a sua intervenção – dirigindo um pedido a Jesus e dando ordem aos serventes- mostram a intenção do evangelista de incluir Maria na ação de Jesus. Mostram ainda a presença ativa de Maria no início da Igreja. A Igreja é, de fato, a comunidade dos discípulos de Jesus. A comunidade dos que nele crêem.

No diálogo com sua mãe, Jesus a chamou de mulher. Palavra, que, nesse contexto, significa Eva, chamada, pela Escritura, a mãe da humanidade. Jesus designa Maria como mãe da comunidade messiânica, a comunidade de seus discípulos. No alto da cruz, novamente a chamará de mulher (cf.Jo 19, 26), tornando-a mãe da humanidade por ele redimida na cruz.

A devoção a Nossa Senhora é ainda importante porque ela esteve, de modo especial, unida ao sacrifício redentor de seu Filho. No momento em que ela o apresentou no templo, junto com seu esposo José, o velho Simeão, cheio do Espírito Santo, fez uma dupla profecia. O menino, segundo ele, seria uma sinal de contradição (cf. Lc 2, 34).. Seria acolhido, por muitos, como salvador. Por outros seria rejeitado e perseguido. Em seguida, disse para Maria: “Uma espada traspassará tua alma!”( Lc 2,35). Esta profecia cumpriu-se no calvário. Enquanto a lança do soldado atravessava o coração de Jesus( cf. Jo 19,34), uma espada de dor atravessou a alma de Maria. Era a sua participação no sacrifício redentor do Filho.A profecia de Simeão preparou, de certo modo, Maria para enfrentar o drama do Calvário. Ela sofreu, conhecendo porém a razão de seu sofrimento e do sofrimento e morte de seu Filho. No filme de Mell Gibson – A Paixão de Cristo -, existe uma cena comovente. Maria aproxima-se do seu Filho crucificado e beija-lhe os pés. Seus lábios ficam tintos de sangue. Ela olha para Jesus e exclama: “osso de meus ossos e carne da minha carne!” Só ela, como mãe, e ninguém mais, poderia pronunciar essas palavras. Ela, resgatada por Jesus, graças ao dom da Imaculada Conceição, pôde cooperar com ele no resgate dos outros homens (cf. J.Galot, op. cit.,169). Esta participação única de Maria no sacrifício redentor de Cristo tem a sua fonte primeira na Encarnação. “ E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). A palavra carne designa não só o ser humano na sua fragilidade, mas designa também a aptidão para o sacrifício, para a cruz. Ao prometer a Eucaristia, memorial de seu sacrifício redentor, Jesus afirma: “O pão que eu darei é a minha carne (sarx) para a vida do mundo” (Jo 6, 51). A carta aos Hebreus mostra que, desde o início, a vida de Jesus esteve orientada para o seu sacrifício redentor( cf. Hb 2, 14). O Verbo se fez carne tendo em vista o sacrifício na cruz. Foi para isso que eu vim, declara ele mais tarde (cf. Jo 12,27).

A devoção a Nossa Senhora é ainda importante, porque Maria continua muito próxima da humanidade e da Igreja. Do céu, ela continua a exercer a mediação materna e amorosa iniciada em Cana da Galiléia. Pela sua assunção ao céu, ela foi a primeira a participar da glória da ressurreição de seu Filho. O corpo que gerou foi primeiro a participar da glória do corpo que foi gerado. Ela é a mulher vestida de sol, que tem a lua debaixo de seus pés e doze estrelas em torno da cabeça( cf. Ap 2, 1-2). Tendo ultrapassado a nossa condição terrena, ela está iluminada pelo sol da glória de Deus. As doze estrelas, símbolos dos doze apóstolos de Jesus, simbolizam a Igreja universal: aquela que se encontra ainda na terra e aquela que está na glória. Membro eminente da Igreja peregrina neste mundo, ela é também a figura do futuro da Igreja. Prefigura a sua futura glorificação. Sua missão, afirma o Concílio Ecumênico Vaticano II, é velar, como mãe, pela humanidade redimida por seu Filho e por toda a Igreja.

A presença de Maria em Pentecostes mostra mais uma aspecto importante de sua missão. Em Pentecostes, a comunidade dos discípulos de Jesus assume a sua configuração histórica definitiva: é apresentada ao mundo como Igreja missionária. O objetivo da missão é mostrar Jesus ao mundo e conduzir todas as pessoas a ele para que se tornem seus discípulos. Neste sentido, Maria foi a primeira missionária. Foi ela que levou Jesus até a casa de Isabel, anunciando, desse modo, o boa-nova da chegada do Salvador. Nesta peregrinação de quatro dias até a casa de Isabel, Maria tornou-se “a imagem de todos aqueles que, mais tarde, irão levar a boa-nova a todas as partes do mundo...Nesse caminho humilde e ignorado da Visitação, (Maria tornou-se) a primeira figura dos apóstolos de Jesus e de seus missionários” (Jean Galot, Gratia plena, Flamboyant, s. Paulo, 1962, 79). Por isso Isabel exclama: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite”? (Lc 1, 43). Foi Maria quem, por primeiro, apresentou Jesus ao povo judeu representado, na noite de Natal, pelos pastores. Foi ela quem apresentou Jesus a todos os povos, representados, na Epifania, pelos Magos. Não foi sem razão que Paulo VI a denominou a estrela da evangelização. Suas “aparições”, no decorrer da história da Igreja, tem sempre, como objetivo, a evangelização: mostrar Jesus ao mundo e conduzir os seres humanos a Jesus. Sua presença espiritual nas igrejas e santuários a ela dedicados tem o mesmo objetivo: revelar o rosto misericordioso de Jesus aos pecadores e a todos os que sofrem. Sua presença na obra evangelizadora da Igreja,sobretudo, na América Latina, mostra, de fato, que ela é a Estrela da Evangelização, membro eminente da Igreja que, em Pentecostes, se tornou missionária. Em Pentecostes, a Mãe de Jesus e da comunidade de seus discípulos, torna-se também a Mãe dos Apóstolos e de todos os missionários. Não foi sem razão que Lucas notou que, no cenáculo, todos aguardavam o Espírito Santo, perseverando unânimes na oração, com Maria, mãe de Jesus (cf. At 1,14). Na manhã de Pentecostes, escreveu Paulo VI, ela presidiu com sua oração o início da evangelização, sob a ação do Espírito Santo. Que ela seja a estrela da evangelização sempre renovada que a Igreja, dócil ao mandamento de seu Senhor, deve promover e cumprir, sobretudo nestes tempos difíceis mas cheios de esperança”( Evangeli Nuntiandi, n. 82).

Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Diocesano de Lorena

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