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terça-feira, 9 de abril de 2013

Como cada evangelista descreve a crucificação e morte de Jesus




Cada evangelista descreve a crucificação e morte de Jesus incluindo suas particularidades, até porque não haveria necessidade de mantê-los.

Os três evangelistas sinóticos registram estes acontecimentos dando destaque aos aspectos mais vistosos e sobrenaturais: o rasgar do véu no Templo de Jerusalém, a ressurreição dos mortos, a multidão que bate no peito, as trevas em pleno dia. O evangelista João é mais discreto e prefere um comentário sucinto e modesto: "do lado transpassado de Jesus saem sangue e água".

Enquanto os três primeiros utilizam o centurião romano como testemunhar ocular da divindade de Jesus: "Verdadeiramente este homem era filho de Deus", o evangelista João prefere fazer a citação do profeta Zacarias: "Olharão para aquele que transpassaram" (Zc 12.10), apontando para a grande realidade de todo verdadeiro cristão, que terá de contemplar, compreender e crer no Crucificado, para serem salvos.

Outra característica da narrativa do quarto evangelho é que João se faz conciso em acontecimentos essenciais e prolixo no que poderíamos classificar como aspectos secundários. Sua linguagem é na verdade totalmente simbólica.


A Realeza de Jesus (João 19.17-22)

Nesta primeira cena ele resume o que os outros destacam e centraliza a atenção do leitor na pequena placa colocada acima da cabeça de Jesus: "Jesus Nazareu, o rei dos judeus" (19.19). É uma declaração da realeza de Jesus trilingue (romana, grega e judaica), que ilustra a proclamação universal do Evangelho. A ironia joanina é vista no fato de que esta declaração contraria todos os esforços que a liderança judaica, política e religiosa, havia feito para deturpar a pessoa de Jesus.


A Túnica (João19.23-24)

Somente João faz uma distinção entre as vestes que foram repartidas e a túnica que foi sorteada entre os soldados (19.24). O termo "dividir" e "divisão" (shisma, no grego) no texto joanino esta sempre impregnado de um significado tenso, relacionado à divisão do povo em relação a Jesus (7.43; 9.16; 10,19; 21.11). João chama atenção que o Crucificado é o Rei universal e o ponto convergente para toda a humanidade. É à Cruz e ao Crucificado que o crente em todos os tempos e lugares serão atraídos ("atrairei todos a mim") e pela fé serão feitos UM Nele!! Quando esta verdade é relegada ou simplesmente esquecida, o Evangelho empobrece e perde seu dinamis distintivo.


A Mãe e o Discípulo Amado (João 19.25-27)

Em meio a todas as atrocidades e violência que envolvem estes acontecimentos, temos aqui uma das cenas mais terna e belíssima da preocupação de Jesus para com Maria. O termo "mulher" é rico em seu veio veterotestamentário e faz um link precioso com a cena do primeiro milagre realizado em Caná (2.1-11). Tanto Maria quanto os discípulos são reais e históricos, mas aqui desempenham também uma função simbólica e representativa. Nem Maria e nem o discípulos são identificados pelos respectivos nomes próprios. Eles representam a Comunidade cristã que haverá de surgir após o Pentecostes e que terá a marca distintiva da solidariedade e do amor.


Tudo Está Consumado (João 19.28-30)

O verbo utilizado por João trás a idéia de algo que foi COMPLETADO e portanto, não há mais nada a ser feito. A morte de Jesus não é o "fim" de sua história, de sua vida, mas a Sua morte é a concretização plena de todo o propósito Redentivo de Deus para salvar o pecador. É o cumprimento pleno de toda a Revelação do Antigo Testamento. A promessa feita por Deus em Gênesis cumpre-se literalmente no Crucificado Nazareu!

Ao declarar "tenho sede" (19.28) Jesus retoma o aspecto básico da vida humana. Ele é plenamente humano e plenamente divino. Aquele que é a Fonte da Vida, pede água - que maior figura contrastante poderia ter utilizado o evangelista?

Então declara Jesus: "Entrego meu espírito" (19.30). Jesus morre e aqui temos o aspecto de sua exterioridade. Ele morre consciente, a iniciativa é dele desde o principio até o fim "entrego meu espírito". Jesus conclui sua obra em serena consciência e se dá voluntariamente, na maior ilustração e modelo para todo verdadeiro cristão. O crente econômico e que vive para si mesmo é anti-cristo.
O Significado

O verso 19.35 é o centro de toda esta narrativa de João. Aqui ele faz uma referência explicita à fé e perfaz uma transição entre a narrativa dos acontecimentos e a sua interpretação à luz das Escrituras (AT).

Aqui temos a afirmação categórica da humanidade de Jesus (sangue e água) e o seu significado salvífico. A linguagem figura utilizada por João jamais deixou de ser interligada pelos acontecimentos históricos e concretos. Sua mensagem não é mitológica ou mística. Sua mensagem cristã evangélica esta relacionada aos dois níveis: da factualidade e do simbolismo.

O verbo tão caro nesta narrativa "ver" permeia o texto. É tanto factual, pois as pessoas estão vendo os acontecimentos, mas também se relaciona diretamente à fé - ver, contemplar, crer.


Há três camadas deste "ver-crer":


- o "ver" dos soldados, que vêem, mas não compreendem absolutamente nada do que esta acontecendo (vêem, mas não crêem);

- o "ver" histórico daqueles que testemunham de forma ocular os acontecimentos e compreendendo crêem.

- o "ver" da fé, que ainda firmado em fatos históricos, não são oculares aos acontecimentos - identificados na profecia de Zacarias "olharão" no aspecto futuro - o nosso tempo.

Para João todos aqueles, como ele que "viram" e "creram" quer como testemunhas oculares ou não, devem agora se constituir em testemunhas deste "ver". E o testemunho é verdadeiro, genuíno, não confundido com os falsos ou aparentes "ver" possíveis.

Portanto, todo aquele que diz "ver-crer", mas cala-se ou acovarda-se em testemunhar, é um falso crente e continua ainda na cegueira espiritual. A conseqüência imediata e compulsiva do que genuinamente "vê e crê" é de proclamar esta verdade evangélica a todas pessoas em todos os lugares em todos os tempos, pois esta é a função da testemunha.

 Ivan Pereira Guedes

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