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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Inferno de um Deus que ama?





Durante séculos, os cristãos ficaram aterrorizados com um elemento que interiorizaram como a terrível ameaça de que o seu destino, após a morte, não seria garantido em termos positivos. Pairava sobre a sua existência uma possibilidade, terrível e atormentadora: o inferno.

A probabilidade de sua concretização era apresentada em termos cada vez mais drásticos pela catequese religiosa, como descreve J. Chorón: "O além, graças aos esforços da Igreja, tornou-se fonte de terror em vez de consolação". Uma teologia da punição e da ameaça contribuía para que os cristãos, no sentido mais profundo da palavra, perdessem o sorriso. O grande filósofo ateu Friedrich Nietzsche, frente a esse quadro, fez uma acusação amarga: "Os cristãos deveriam se apresentar mais redimidos, para que se pudesse acreditar no seu redentor".

Hoje, os estudos da psicologia analítica mostram o quanto as imagens de um inferno estão ligadas a mecanismos patológicos de punição e de vingança, enraizados no inconsciente coletivo e em matrizes deturpadas da imagem de Deus. As pesquisas históricas e exegéticas trouxeram à tona as origens da imaginação infernal: a cosmovisão do antigo Oriente e suas mitologias sombrias.

A obra do conhecido teólogo e psicanalista Eugen Drewermann revela como nas imagens do inferno, analisadas com o instrumentário da psicanálise, manifestam-se formas arcaicas da projeção de angústias humanas.

Frente a esse complexo quadro, coloca-se, hoje, para a teologia a necessidade de repensar as concepções tradicionais. Não dá para negar que Jesus, na sua proclamação de uma nova realidade de Deus, recorreu a certos elementos de um imaginário infernal que, já na sua época, se tinha estabelecido no pensamento religioso. Mas, também, não dá para negar que sua proclamação acentua muito mais a vontade que esse Deus tem de salvar.

"Deus quer que todos os homens sejam salvos", proclama Paulo em 1 Tm 2,3-4 e em tantos outros textos.

Um Deus que, em Jesus Cristo, formula declarações como a seguinte, não é compatível com as imagens do inferno: "Se alguém ouvir as minhas palavras e não as observar, não o julgarei, porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo" (Jo 12, 47). Deus não condena ninguém, vemos em Jo 8, 15. (cf. também Jo 5,22).

O projeto que Deus tem para a humanidade é um projeto de vida e não de morte. Confiante nessa grande verdade, a teologia moderna formula, com convicção, a esperança de que todas aquelas imagens de infernos e de punições eternas sejam imagens, advertências de uma possibilidade que não se tornará nunca realidade.

"As afirmações escatológicas de Jesus", diz o grande teólogo Karl Rahner já nos anos 60 do século passado, "não proíbem ter esperança para todos" (cf.: Vorgrimler, Geschichte der Hölle e Rm 11,32).

Baseada nessa esperança, a teologia formula uma mensagem mais consoladora. Na morte, Deus propõe a cada ser humano que entre numa nova maneira de existir; baseada no amor. A aceitação dessa proposta exigirá conversão total de tudo aquilo que dentro da pessoa ainda é oposto ao amor de Deus.

Teoricamente, é possível que alguém, até na morte, se negue a mudar. Com a rejeição de tudo aquilo que Deus oferece, tal pessoa criaria para si uma situação de afastamento total de Deus, de isolamento dentro da finitude humana, de morte consciente; em uma palavra, exatamente aquilo que chamamos inferno.

Mas, será que diante da oferta de Deus, alguém agiria assim? Possível é, porque a rejeição faz parte da liberdade humana. Não podemos saber, mas temos todo direito de esperar que não. Essa afirmação baseia-se na esperança de que, diante da perspectiva oferecida, "toda resistência do meu coração obstinado deve dissipar-se". 

A conversão torna-se alegria e a mudança das características negativas de minha personalidade vira necessidade ardentemente desejada por mim mesmo. Quem seria eu, se não respondesse ao chamado de um tal amor?

Na sua luz, nada serão todos os pseudo-valores de uma personalidade agarrada no egoísmo e na arrogância. Que importância ainda terá todo status e todo orgulho, acumulados no decorrer da vida? Deus me convida, e os valores dele revelam o desvalor de todos os meus traços egocêntricos de orgulho.

Tudo aquilo que pensei ser importante a partir de uma óptica da arrogância egoísta, se revelará como sendo brincadeira infantil de uma criança insensata. Será que uma única pessoa humana se fechará dentro de si, quando confrontada com a riqueza de um ser infinito e de uma existência plena que se abre diante dela?

"Quem nós poderá separar do amor de Cristo" (Rom 8, 35), exclama Paulo na sua exaltação do projeto final de Deus. "Estou convencido", diz ele, "de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rom 8, 38-39).

Quem somos nós, humildes seguidores dos passos de Paulo, para dizer outra coisa. Quem poderá separar-nos do amor de Deus? Ninguém! Eis a nossa esperança, que também é aquela de Paulo (cit. Cf. Renold J. Blank, Consolo para quem está de luto, p. 36-38).

Eis a grande esperança da religião cristã! Baseados nessa esperança, somos capazes não só de superar as nossas angústias, frente a uma possível situação de inferno: seremos capazes, também, de começar a superar toda e qualquer situação de inferno, aqui na terra.

Renold J. Blank


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