Em síntese: O sociólogo Wilson Gomes estudou as concepções que norteiam as sessões de culto da Igreja Universal do Reino de Deus, especialmente as de libertação. Julga poder assim reconstituir o pensamento religioso dessa corrente:
Todo ser humano foi feito por Deus para possuir..., possuir saúde, prosperidade, amor da família... Todavia há um perturbador ou demônio que "amarra" o homem e o impede de usufruir destes bens, pois lhe suscita doenças e outras desgraças. Ora a Igreja Universal é a instância adequada para libertar as pessoas afetadas. Estas têm que se apresentar a Deus e à Igreja com uma oferta, que será penhor de libertação e atendimento; há proporção entre o vulto da oferta e a importância da graça almejada. Feita a oferta, o pastor procede ao rito de libertação, que assume formas teatrais; há um diálogo entre o ministro da Igreja e o demônio tido como presente no corpo da pessoa infeliz. Este diálogo tende a humilhar o presumido demônio, que acaba sendo expulso (como dizem) mediante os gritos "Sai, sai!" ou "Queima, queima!". Assim a pessoa é apta a possuir os bens temporais que Deus lhe destinou (saúde, dinheiro, felicidade conjugal...). Todavia não deve deixar de freqüentar a Igreja Universal e fazer regularmente as suas ofertas, pois o demônio malvado pode voltar e desapossar aquele ou aquela que foi uma vez libertado (a).
O sociólogo Wilson Gomes publicou um artigo intitulado "Nem Anjos nem Demônios" na coletânea homônima editada pelas Vozes de Petrópolis (1994), pp. 225-270. Propõe uma interpretação sociológica do Pentecostalismo tal como é vivido pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A explanação parece caracterizar bem o pensamento dos mentores da IURD; eis porque vai, a seguir, apresentada em suas linhas gerais.
1. O CONCEITO BÁSICO: POSSE
Segundo Wilson Gomes, todo o ritual observado pela IURD e os respectivos discursos supõe uma premissa básica: o homem foi destinado pelo Criador para possuir..., possuir uma vida digna e feliz neste mundo mesmo - o que implica saúde corporal, prosperidade material, amor humano.
"A mola das assembléias e da vida do fiel em geral é a idéia da posse. Os fiéis devem tomar posse daquilo que é necessário para uma vida feliz. É implícita neste imperativo a concepção segundo a qual a vida humana conforme a vontade de Deus, a vida humana autêntica, é aquela em que os homens possuem e desfrutam dos bens do mundo. Prosperidade, saúde e amor inerem essencialmente à existência humana, enquanto são sinais da realização do destino que Deus deu ao homem; só em gozo destes bens o homem vive conforme o desejo do Criador.
Uma recente concentração de fiéis da Igreja Universal tinha o sugestivo slogan: venha tomar posse do que você perdeu. Tomar posse, portanto, não significa outra coisa senão realizar aquilo para o qual se está destinado. As coisas são nossas enquanto Deus as fez para nós, para delas fruirmos. Vir a possuir, portanto, significa bem mais uma reintegração de posse, um ter à disposição aquilo que nos é devido por direito de criação.
O que equivale a dizer que possuir significa conformar-se à vontade divina, estar em harmonia com a intenção criadora, situar-se dentro da comunhão com o desejo de Deus. Inversamente, não possuir significa frustrar o propósito criador, a destinação divina da existência humana; significa, portanto, uma ruptura da ordem cosmológica" (ob. cit, p.231).
Ora acontece que a população do Brasil é pobre. Carece precisamente dos bens materiais que tornam a vida feliz no plano humano: desemprego, doença, problemas de família e de habitação afetam a nossa gente. Esta é privada de posse, o que parece ser uma situação diametralmente oposta à que Deus destinou ao homem. Em outros países, onde o nível médio de vida seja mais elevado do que o do Brasil, não deixa de haver pobreza e miséria, embora em proporções menos avultadas do que as do Brasil. - Eis, pois, que a IURD acode precisamente a essa faixa de pessoas mais carentes, prometendo-lhes, em nome de Deus, a reintegração de suas posses. Isto explica o sucesso da Igreja Universal e, por extensão, das novas seitas populares que compartilhem semelhante modo de pensar.
Como procede a IURD para tentar levar cada crente à plena saúde e à prosperidade material ou, como dizem os mentores da IURD, fazer que todos sejam abençoados? Estar de posse é o mesmo que estar abençoado. - Eis o raciocínio que a IURD desenvolve.
2. O MALIGNO
É preciso, antes do mais, explicar por que os desapossados não possuem bens materiais. A explicação é expressa, no linguajar da IURD: ... por que "estão amarrados",... amarrados pelo perturbador da ordem natural das coisas ou do plano concebido pelo Senhor Deus. Com outras palavras: é o demônio que amarra e impede a pessoa de atingir os bens que perfazem a sua felicidade neste mundo; é ele que causa a confusão neste mundo, é o introdutor do caos, o adversário (= Satã); ele causa o mal, principalmente as doenças físicas e a dor. Esse perturbador pode ser considerado também o burlão, o galhofeiro e o trapaceiro - o que o aproxima das entidades conhecidas pela Umbanda; nesta os Exus e as Pombagiras personificam a burla, a galhofa, a trapaça.
Em conseqüência, deve-se afirmar que a vida dos homens neste mundo é incessantemente cercada de demônios, que procuram desviar de Deus os seres humanos e implantar o seu próprio domínio no mundo. Assim a história é entendida como o desenrolar de um conflito entre Deus e os demônios: Deus é o elemento positivo, cujo projeto inclui a felicidade do homem, e o demônio é o entrave à realização desse projeto. Na verdade, Deus é mais forte do que o mau espírito, mas ainda não chegou o tempo da vitória definitiva de Deus; enquanto esta se faz esperar, os demônios estão em atividade e com grande sucesso: pobreza, doença, problemas familiares são a demonstração do império dos demônios na existência dos homens.
Esta verificação não chega a falar de culpa moral dos homens. A temática do pecado original aparece muito pouco nos discursos da IURD; o que interessa a esta, é o drama da vida do indivíduo humano como tal e a solução dos seus problemas existenciais. O demônio vem a ser, em parte, aquele que desresponsabiliza o homem: sim, os maus espíritos são muitos, poderosos, insistentes, espertos, organizados e - ainda -contam com a cumplicidade de certos homens; estes são fracos e desarmados, incapazes de prevalecer, por si, contra a sanha do Maligno. Este encontra sua felicidade na infelicidade dos homens, que não têm culpa de ser infelizes, como também Deus não tem culpa disto.
A IURD concebe esses causadores de todas as desgraças "localizados fisicamente" no corpo humano ou em objetos do ambiente em que as pessoas vivem. Uma dor de cabeça ou um problema de coração explicam-se pela presença do demônio em tal parte do corpo humano; a pobreza pode ser explicada por um demônio alojado no bolso do indivíduo e o fraco desempenho sexual por um demônio que se encontra no leito conjugal.Assim o corpo humano é o possível receptáculo de uma multidão de demônios. A eliminação dos mesmos exige contato físico (imposição das mãos, por exemplo) para que cesse a presença do Maligno. Alguns pastores afirmam ter expulsado dezenas ou centenas de demônios de um só corpo; também há demônios que dizem estar acompanhados por muitos outros no corpo do qual tomaram posse.
Este quadro trágico se torna ainda mais grave se se considera outro aspecto da temática: um demônio pode estar infestando o corpo de alguém em atendimento à vontade malvada de um inimigo dessa pessoa; os demônios prestam-se a ser instrumentos da intenção maléfica de uma pessoa contra outra. Um homem pode "botar" um demônio na vida de outro homem no intuito de causar-lhe dano à família, à saúde, às finanças. É por isto que o ritual da IURD prevê a pergunta do exorcista ao demônio: "Quem te mandou fazer isto a tal pessoa?"; geralmente ouve-se em resposta o nome de alguém tido como responsável pelo dano. Parece mesmo, dada a freqüência de tal pergunta e da respectiva resposta, que os demônios quase sempre são enviados por alguma pessoa. Isto lembra o que se diz nas religiões afro-brasileiras, segundo as quais alguém pode fazer um trabalho ou um despacho para obter de uma entidade superior a desgraça do seu inimigo.
Esta afinidade do pensamento da IURD com o da Umbanda (especialmente) se deve, em parte, ao fato de que Edyr Macedo, no início do seu itinerário religioso, freqüentou o espiritismo e terreiros de Umbanda. Isto o levou, a ele e a seus discípulos, a crer que os exus e orixás e pombagiras não são senão os demônios da Bíblia, demônios que eles querem combater não com os recursos da Umbanda, mas com o exorcismo do Cristianismo.
3. A OFERTA
Até aqui a explanação mencionou o projeto de Deus (tornar o homem feliz mediante a posse de bens corporais ou materiais) e a frustração desse desígnio por parte do perturbador ou demônio.
Comenta Wilson Gomes: "A permanecer estes dois elementos, a situação do homem seria insuportável. Chamado à felicidade, estaria condenado à infelicidade. Todavia a cosmologia religiosa da Igreja Universal prevê um terceiro elemento, que restitui ao homem a possibilidade de adequação ao projeto divino" (p.237s). Trata-se da categoria da oferta.
Explicando melhor o raciocínio, dir-se-ia: o homem, embora amarrado pelo Maligno, goza de um recurso para se libertar dele: este recurso se encontra na Igreja Universal, onde as ofertas feitas a Deus "criam em Deus a obrigação imediata de restituição" (p. 238) ou de atendimento ao ofertante. Oferecer a Deus alguma quantia é sempre um risco, porque implica um despojar-se, mas esse risco é assumido na fé; "a fé despotencializa os demônios e permite a reintegração de posse"; Deus se compromete a dar a quem lhe dê; vale a lógica do "dou para que dês". Quanto mais difícil for a realização da oferta, maior será a fé exercitada perante o risco e, conseqüentemente, maior será o benefício a ser recebido. Eis o que diz textualmente o jornal Folha Universal (26/07/95, Cad. 2, p.1):
"Uma das perguntas que os evangélicos mais ouvem dos incrédulos é: 'você dá o dízimo?', geralmente seguida das afirmações: 'estão te enganando', 'você sabe para onde vai o dinheiro?' O que esses questionadores não sabem ou fingem não saber é que, de uma forma ou de outra, dão o dízimo para o aproveitamento de outro homem ou do diabo, através dos vícios, jogos e remédios, além do ofertório da igreja católica e dos despachos e obrigações da macumba.
Aqueles que não entendem ou discordam da Palavra de Deus nesse aspecto, terão, naturalmente, muita dificuldade para retirarem dez por cento dos seus ordenados, quase sempre sofridos, para entregarem na igreja, sem saber ao certo qual o destino a tomar. Entretanto, milhares de pessoas têm sido abençoadas pela prática de dedicar ao Senhor a décima parte daquilo que recebem.
NÃO É OBRIGAÇÃO
A Bíblia diz que, quando honramos a Deus com nossos dízimos, Ele também nos honra. Na verdade, não estamos dando nada para Deus, mas sim devolvendo o que pertence a Ele. O dízimo não é uma obrigação, mas uma devolução.
Ninguém é obrigado a dar o dízimo, porque, para Deus, nada deve ser feito por obrigação. Ele nos deu o livre-arbítrío.
De acordo com o que diz a Bíblia, dar o dízimo é candidatar-se a receber bênçãos sem medida, tanto no aspecto físico, como no espiritual e financeiro.
Muitas pessoas estão amarradas e na miséria devido à atuação de um espírito chamado devorador, que consome o pagamento, destrói as coisas em casa, coloca a doença na família - a fim de gastar o dinheiro com consultas e remédios -, etc. A única maneira de repreender esse espírito é dizimando, porque a Bíblia diz que não devemos roubar o Senhor, antes devemos ser fiéis com o nosso dízimo.
Quando Deus fala que o homem tem Lhe roubado nos dízimos e nas ofertas, isso o coloca em pé de igualdade com um ladrão, não apenas diante dEle, mas também diante do diabo, o chefe dos ladrões. Desta forma, a pessoa torna-se automaticamente sujeita à atuação satânica.
Na Igreja os testemunhos são constantes. Muitos milagres têm acontecido na vida financeira do povo que tem feito prova de Deus, no tocante aos dízimos e ofertas. Tudo pertence a Deus. Ele promete e cumpre a Sua palavra dando riqueza e prosperidade aos fiéis. É através do dízimo que nós expressamos a nossa fidelidade para com Ele.
O dízimo é parte de nossa aliança com Deus, e é tão importante quanto a Sua Palavra. Por isso, Deus usa os seus ministros para abençoar o povo que sofre por falta de conhecimento. Os pastores são os dispenseiros da multiforme graça de Deus. Devemos servir como bons dispenseiros da multiforme graça de Deus".
Os pregadores da IURD pretendem fundamentar estas suas afirmações mediante exemplos bíblicos como o de Abraão, que chegou a oferecer seu filho muito amado, correndo enorme risco (cf. Gn 22,1-19) e o da viúvade Sarepta (esta houve por bem dar a Elias a última porção de farinha e óleo que tinha em tempo de fome; cf. 1Rs 17,7-16.
Ao conceito de oferta se associam dois outros: o de sacrifício e o de desafio. Sacrificio é entendido como risco, aposta, investimento, que são sustentados pela fé no atendimento que virá da parte de Deus. ComentaWilson Gomes:
"A idéia de desafio é muito peculiar à mentalidade da Igreja Universal. Implica que a oferta faz entrar em ação um jogo de que fazem parte o ofertante e a divindade. Uma vez que acontece o primeiro movimento desse jogo, a oferta, este se processa quase à revelia e Deus dele não se pode furtar. Desafio aqui significa uma provocação irrecusável a uma reação da parte do parceiro da ínter-relação ou jogo; portanto, o caminho para uma espécie de aliança" (p.239).
Com outras palavras: a oferta suscita no ofertante o direito de ser contemplado,... o direito de ser libertado do demônio que infesta a vida da vítima. "Não é raro ouvir os pastores proporem o desafio seguinte: 'se Deus é Deus, deve dar a quem fizer a oferta; se Deus não der a quem fizer a oferta, então não é Deus... Esta consciência do direito se exprime na jaculatoria que se repete sempre nas orações em comum: 'Senhor Jesus, Senhor Jesus, eu não aceito tanta miséria'... e na igualmente cotidiana expressão das orações públicas: 'Eu exijo!'" (p.239).
Os pastores asseguram aos seus fiéis que deixariam de ser pastores ou rasgariam a Bíblia, se Deus não lhes devolvesse, com a prosperidade, as suas ofertas. O jogo consiste então em "doar à Igreja Universal para receber de Jesus".
Por isto, quanto maior é a oferta, tanto maior será a bênção recebida. Há aí uma proporcionalidade física ou material.
Nem toda oferta gera o mesmo efeito. Há, pois, as ofertas esporádicas e há as habituais (o que supõe fidelidade). A oferta esporádica é menos valorizada; é a de quem vai à igreja procurar serviços, mas não é membro da IURD; os membros desta são fiéis à praxe de doar seus bens. Somente a fidelidade proporciona a prosperidade; as ofertas possibilitam apenas algumas bênçãos singulares e pontuais. Até os fiéis de outras comunidades religiosas podem fazer suas ofertas à IURD para resolver um problema imediato; eis, porém, que o problema solucionado mediante uma oferta esporádica pode retornar e, em tal caso, será necessária nova oferta em vista de outra bênção. - Uma vida "abençoada", ou seja, próspera, saudável, bem sucedida no plano afetivo, é a resposta que toca unicamente à oferta fiel ou constante (dízimos, coletas rituais e outras formas de doação).
4. EXORCISMO E CURAS
O exorcismo é o rito dramático que arrebata ao demônio a sua presa e torna a pessoa herdeira dos bens a que tem direito.
A "força" da IURD está na aplicação dos rituais de expulsão dos demônios tidos como presentes nos corpos dos crentes, ou nos seus objetos pessoais, ou ainda na sua família e no seu ambiente de vida. Uma vez expulso o demônio, ocorre a "cura" da doença do fiel. Sem a retirada dos demônios ou dos espíritos de enfermidade, não são possíveis as curas.
O ritual compreende a identificação dos demônios. É preciso que o pastor e os fiéis saibam que tipo de espírito mau está infestando o enfermo. Neste ponto a IURD e a Umbanda-Quimbanda são afins entre si. Nota-se, porém, uma diferença importante. Com efeito; na religião Yorubá a entidade que se manifesta é "divina" ou "semidivina", de modo que ela domina e impera dentro da pessoa que ela possui; os exus e as pombagiras daQuimbanda, mesmo considerados maus, são respeitados; ao contrário, na IURD o demônio é humilhado, torturado e expulso.
A manifestação dos demônios na IURD não é um ato espontâneo da parte deles, mas decorre do imperativo, proferido aos berros, de quem os exorciza; procuram resistir, não se rendem à primeira intimação, mas acabam cedendo ou à intimação (quando se trata de pessoas tidas como afetadas) ou ao contato com objetos sagrados antitéticos ao Maligno: assim um "xampu abençoado" e "o óleo de Israel", postos em contato físico com objetos "demonizados", tornam o demônio vulnerável e acabam causando a fuga deste É de notar ainda que, quando se trata de purificar objetos endemoninhados, o mau espírito sai logo após o contato do objeto contagiado com o objeto sacralizado; ao contrário, quando se trata de pessoas "possessas", o demônio pode travar um diálogo com os pastores antes de partir; esse diálogo procura torturar e punir o demônio. Quando este resiste além do que se pode esperar, a vítima é levada à frente da igreja, isto é, ao palco, onde se dá calorosa entrevista; consta de perguntas diversas referentes à atividade daquele demônio específico, sendo de praxe interrogar sempre: "Qual é o seu nome? Que está fazendo você na vida dessa pessoa?". O pastor pede informações minuciosas sobre os malefícios do demônio na vida da sua vítima, ainda que isto redunde em confissão pública, às vezes constrangedora, dos desmandos dessa pessoa. Em muitos casos, o interrogatório leva à conclusão de que há um "trabalho" feito por um inimigo da vítima ou pelo próprio demônio, que quer o mal ou afastar a pessoa da Igreja Universal.
Às declarações dos "demônios" os pastores respondem fazendo comentários de ordem moral; insistem na necessidade de pertencer à IURD por causa da constante ameaça dos demônios em nossa vida e por causa da vulnerabilidade da existência fora da Igreja Universal, na importância da oferta como expressão da adesão a Jesus e à Igreja.
"Uma interessante função dos demônios manifestados é a de revelador. Os pastores pedem informações sobre os membros da sua comunidade ao demônio entrevistado. Neste caso, as perguntas são sobre a fidelidade da comunidade ou sobre a sinceridade dos ofertantes. Há, por exemplo, um tipo de oferta em que o fiel é convidado a dar tudo o que tem nos bolsos ou na caderneta de poupança. Ao demônio se pergunta, então, se todos os que acabaram de participar do ofertório realmente deram tudo ou se alguém escondeu alguma coisa. Ora, para ser capaz de exercer esta função, o demônio deve tudo saber e, além disso, não mentir. Dois princípios dos quais não se duvida na Igreja Universal. Quando questionados pelo pastor, "em nome de Jesus", os demônios dizem a verdade sobre aquilo que eles mesmos fazem e sobre as ações dos membros da comunidade.
Este recurso pedagógico é muito potente. A possibilidade de ver-se desmascarado em público por um demônio é inquietante. Sob solicitação, os demônios podem até mesmo indicar ou apontar pessoas ou insinuar simplesmente que alguém presente não está agindo conforme os princípios da Igreja Universal" (pp.244s).
Em todo o processo do exorcismo, a atitude dos espíritos malvados varia. Primeiramente os demônios mostram-se furiosos por serem obrigados a manifestar-se; são agressivos, grunhindo, resmungando ou bufando. A seguir, comportam-se com burla, ironia, galhofa; respondem aos pastores vangloriando-se das suas façanhas bem sucedidas, ou seja, de ter destruído algum lar, de ter provocado doenças, de ter impedido os fiéis de dar tudo o que tinham no momento da oferta... Passada esta fase, os pastores humilham os demônios "em nome de Jesus": a uma pombagira mandam que abrace o pastor; a um diabo,... que segure uma cruz; a um exu... que vá buscar água para o pastor, e a todos os maus espíritos... que segurem o saco onde serão depositadas as ofertas. Esta é a humilhação mais penosa, por causa da grande importância da oferta.
O "demônio" costuma resistir às ordens dos pastores: recusa-se a dizer o que o pastor quer saber, recusa-se a pôr os braços atrás das costas, a segurar o saco das ofertas... mas sempre acaba cedendo para o júbilo dos participantes, pois a cruz queima as mãos, e o corpo do pastor, ao ser abraçado, proporciona muita dor.
O exorcismo representa o golpe de misericórdia desse drama. Uma vez demonstrada a superioridade de Jesus e da Igreja Universal, os demônios podem ser desalojados das pessoas e dos objetos. A expulsão se obtém mediante os brados rituais: "Você vai sair agora..." e "Saia, saia!" ou ainda "Queima! Queima!" dirigidos aos demônios em uníssono por toda a comunidade.
5. A SALVAÇÃO
No Cristianismo em geral, o conceito de salvação só se realiza plenamente na bem-aventurança celeste e definitiva. O cristão não despreza os bens deste mundo; ele é mesmo incitado a construir o Reino de Deus na vida presente, mas ele tem consciência, com São Paulo, de que "passa a figura deste mundo, de modo que aqueles que compram sejam como se não possuíssem, aqueles que usam deste mundo, sejam como se não usassem plenamente" (1Cor 7,30s).
Na IURD a tônica se desloca, sem negar os valores transcendentais ou do além; os seus pregadores insistem em que a salvação é, sim, um algo-a-mais, mas intramundano e não necessariamente definitivo. A soteriologia da IURD é preponderantemente voltada para os bens deste mundo, de acordo com o projeto de Deus: saúde, prosperidade material e amor. A posse destes bens, porém, não está assegurada definitivamente, pois os demônios estão sempre a rondar. É preciso exercer vigilância contínua para garantir a posse.
A expectativa dos valores finais ou do encontro com Deus face-a-face é algo que parece não interessar aos arautos da IURD: céu e inferno são temas que não aparecem nas suas prédicas. Isto bem se entende, se levarmos em conta o pragmatismo ou a índole utilitária e socorrista da IURD: quem a procura, procura-a para se ver livre de um mau espírito que lhe tira saúde, prosperidade ou família; é claro então que, feita a oferta, ele adquire o direito de escolher o bem que ele quer receber de Jesus: o carro do ano (símbolo máximo de prosperidade), um televisor, um emprego... "Peça a Deus o que você quiser...", insistem os pastores. Num culto de prosperidade foi solicitado aos participantes que levassem a planta da casa que eles quisessem receber.
Por isto os deveres morais da vida cristã são deixados na penumbra pelos pastores da IURD:
"Jesus, mais do que modelo do comportamento do crente, é garantia de que a oferta será recompensada. O pastor, mais do que o vigilante do comportamento moral, é a autoridade que queima os demônios. No fundo, bem mais do que um padrão de atitudes, requer-se a fidelidade nas ofertas, única garantia de entrada na posse.
Assim, a salvação iminente e pragmática apresentada pela Igreja Universal é acessível não simplesmente aos que superaram uma "prova ética" do tipo amor, fé e caridade, como no catolicismo, por exemplo, mas uma prova do tipo "fidelidade na oferta". Esta é a nova virtude teologal" (pp.248s).
6. CONCLUSÃO DO ARTIGO
As concepções de desgraça e libertação apresentadas nas páginas anteriores segundo o pensamento de Wilson Gomes explicam o sucesso que vem tendo a IURD. À população carente de bens materiais no Brasil e em outros países é oferecida a ocasião de resolver sua situação no plano religioso; se não lhe é dado o acesso a níveis superiores da economia nacional pelos canais convencionais, uma porta nova e larga parece abrir-se-lhe na Igreja Universal.
Wilson Gomes acrescenta uma observação sobre a validade da sua teoria: afirma que a pesquisa por ele e seus assessores realizada obedeceu aos estritos critérios metodológicos e éticos vigentes no setor das ciências sociais: "houve trabalho de campo, métodos quantitativos, relatórios e tudo mais" (p.250).
7. NOSSA REFLEXÃO FINAL
As observações e a reconstituição do pensamento da Igreja Universal tais como as apresenta Wilson Gomes parecem fiéis à realidade. A IURD vem a ser uma tentativa de "resposta" às necessidades da população menos aquinhoada. Impõem-se, porém, algumas observações:
1) A explicação das desgraças humanas por interferência do Perturbador ou do demônio é inadequada; ressente-se de um fundo umbandista ou quimbandista. Com efeito; as religiões afro-brasileiras (como também o espiritismo), em geral, é que explicam os infortúnios como efeitos da ação nefasta de espíritos desencarnados ou de entidades superiores ao homem e existentes no além. A IURD identifica essas entidades com osdemônios da Bíblia e aplica o ritual de libertação ou exorcismo aos infelizes que a procuram.
Numa perspectiva de fé católica, fazem-se sérias reservas a tal concepção e praxe. As desgraças que ocorrem neste mundo podem ser explicadas pela própria desordem existente em todo ser humano; este é, por sua própria natureza, sujeito a doenças, a desastres e ao pecado..., sem que se deva recorrer ao demônio para explicar tais males. O plano de Deus a respeito do homem promete a este a plenitude da vida após esta peregrinação terrestre. Neste mundo cada qual é convidado a realizar o Reino de Deus na justiça e no amor, mas isto não apaga o convite a seguir Jesus abraçando a Cruz (cf. Mt 16,24s); a Cruz é inevitável, mas ela tem valor salvífico, porque foi assumida e santificada por Jesus; por conseguinte, não é demoníaca. Está claro que o cristão tem o direito de procurar aliviar seus padecimentos e evitar os que ele possa evitar, mediante a oração humilde e os recursos da sua perícia e da ciência; mas não deve execrar o sofrimento como se não tivesse sentido e valor no plano de Deus, esquecendo a Redenção realizada por Jesus Cristo.
2) Wilson Gomes parece supor que o demônio está presente no corpo da pessoa infeliz e dialoga com o pastor antes de ser expulso. Neste caso, o sociólogo não quis ser crítico, mas reproduz simplesmente o que ele e seus assessores observaram nas assembléias da IURD: o demônio parece responder ao pastor. Ora dizemos que a teatralidade do ritual de exorcismo na IURD se deve à sugestão,... sugestão que se apodera do pastor e do seu cliente; ambos supõem que o demônio está presente e conseqüentemente procedem como se isto fosse verdade; a sugestão é poderosa, principalmente no estado de transe ou frenesi que caracteriza as sessões de libertação da IURD. A sugestão pode dar a crer que está alguém curado, provocando um estado de euforia, que é ilusório e até nocivo; a pessoa, julgando estar isenta de determinado mal, deixa de recorrer às soluções racionais e científicas de seus problemas - o que pode redundar em agravamento do mal.
3) A oferta de bens materiais a Deus não pode ter o sentido de "comprar" favores divinos. O Cristianismo superou a atitude religiosa primitiva do "dou para que dês". A oferta do cristão é um símbolo da fé e do amor que o levam a querer sustentar as obras de evangelização da Igreja; o cristão sabe que a causa do Reino de Deus o afeta pessoalmente; por isto ele assume os interesses dessa causa colaborando com suas espórtulas para sustentar a paróquia, a diocese ou a Igreja no mundo inteiro. Quem não pode colaborar de tal maneira, não é abandonado por Deus; o dinheiro está longe de ser condição para que alguém seja atendido pelo Senhor Deus.
4) Os bens que a Providência Divina quer dar aos fiéis são, sem dúvida, aqueles de que o cristão necessita para caminhar dignamente neste mundo. Jesus nos ensinou a pedir "o pão nosso de cada dia"; isto inclui saúde, emprego, casa... Mas os bens materiais não são senão subsídios para que o cristão peregrino possa chegar à Casa do Pai; o que importa acima de tudo, são os valores definitivos e transcendentais. São estes que o Pai do Céu quer em primeira instância, porque são os bens que não passam. É o que se depreende da parábola do menino que pede ao pai sua merenda (pão, peixe e ovo): ao interpretar tal parábola, Jesus diz: "Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu não dará o Espírito Santo aos que o pedirem?!" (Lc 11,11-13). O Espírito Santo é o dom máximo ou por excelência, aquele que o cristão mais deve almejar em suas preces, pois com Ele se tem o início da vida eterna no tempo.
É para desejar que os cristãos se compenetrem destas verdades e saibam fazer sua reta escala de valores a fim de não se deixar iludir pelo oportunismo de certos pregadores.
Estêvão Bettencourt
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