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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Páscoa: aspecto cronológico e sentido espiritual


                                                                                      



A celebração da Páscoa, memória da paixão, morte e ressurreição do Senhor, impõe-se como eixo espiritual e cronológico do ano litúrgico. No entorno do séc. II os testemunhos literários cristãos atestam a inexistência de concordância relativa à cronologia da celebração pascal. Temos informações candentes a respeito do agravamento da situação durante o pontificado de Vítor I (189-198). Contudo, é sabido também que, já no papado de Aniceto (por volta de 154), o bispo Policarpo de Esmirna esteve em Roma para dialogar com o papa sobre o assunto da data pascal. Com efeito, a partir do séc. II se identificam duas direções cronológicas para a celebração da festa anual. Tal cronologia acentua, ao mesmo tempo, duas tendências teológicas bem precisas sobre o significado do domingo para o cristianismo primitivo.

A Igreja ocidental, representada por Roma, celebrava a Páscoa anual no domingo de lua cheia após o equinócio de primavera no hemisfério Norte (outono no hemisfério Sul). Comunidades orientais, particularmente a Igreja de Éfeso, celebravam a páscoa no dia 14 do mês de Nisã (daí serem denominados quarto decimamos), conforme o uso judaico, não importando o dia da semana correspondente. Durante o pontificado de Vítor I, identifica-se a tentativa de uniformização no respeitante à data pascal. Ao que parece, a prática dos quartodecimanos havia se popularizado em Roma por iniciativa do presbítero Blasto.

A contrariedade do papa Vítor em relação à prática oriental despertou a oposição de Polícrates, bispo de Éfeso. Nessa época, esteve em Roma o bispo Irineu de Lião, buscando tratar pacificamente com Vítor a matéria em questão. As possíveis conclusões hauridas dos testemunhos literários revelam a desistência de Vítor em uniformizar a celebração da Páscoa anual. A querela histórica haveria de ser temporariamente resolvida no Concílio de Nicéia, celebrado em 325. Os cânones do Concílio deliberaram que os irmãos orientais adotassem a mesma praxe dos romanos e dos alexandrinos e de todos os outros, celebrando a Páscoa no primeiro domingo depois da primeira lua cheia que segue o equinócio da primavera.

Diz-se que a resolução foi temporária porque nos anos sucessivos a Nicéia verificou-se descompasso cronológico entre Ocidente e Oriente para a data da celebração. A partir de 387 fixou-se definitivamente a data proposta em 325 pelos Padres nicenos. Contudo, em 1582, quando da reforma do calendário feita pelo papa Gregório XIII, o patriarca de Constantinopla Jeremias II se negou a adotar o calendário reformado. Deste modo, a celebração pascal caiu novamente no descompasso cronológico entre tradição oriental e ocidental. Por exemplo, em 2013 celebramos a Páscoa em 31 de março. Os ortodoxos, por sua vez, celebrá-la-ão em 5 de maio. Isso se deve ao fato de seguirem o calendário juliano em vigor quando do Concílio de Nicéia em 325.

Um dos critérios fundamentais inerentes à tradição ocidental é seu conceito espiritual do domingo. O sentido cristão do domingo já aparece claramente esboçado nos escritos neotestamentários. Neles, o domingo aparece em relação com a ressurreição (Mt 28,1; Mc 16,1.9; Lc 24,1; Jo 20,1.19.26) e a vida litúrgica da comunidade (At 20,7). Por conseguinte, a data da páscoa fixada no primeiro dia da semana confirma a convicção das primeiras gerações cristãs relativa ao mistério da Ressurreição do Senhor. Sendo assim, o marco cronológico da celebração pascal apregoa a profissão de fé no Cristo ressuscitado que em sua morte e ressurreição reconstrói a criação maculada pelo pecado.

Pe. Alfredo Rafael Belinato Barreto

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