Tradutor

sexta-feira, 8 de março de 2013

Creio na ressurreição da carne e na vida eterna



A visão beatífica consiste em ter o próprio Deus como prêmio, vendo-o face a face por toda a eternidade. 
           

1. A ressurreição da carne

A Igreja proclamou em muitas ocasiões a sua fé na ressurreição de todos os mortos no final dos tempos. Trata-se, de algum modo da “extensão” da Ressurreição de Jesus Cristo, «o primogénito entre muitos irmãos» (Rm8,29) a todos os homens, vivos e mortos, justos e pecadores, que terá lugar quando Ele vier no final dos tempos. Com a morte, a alma separa-se do corpo; com a ressurreição, corpo e alma unem-se de novo entre si, para sempre (cf. Catecismo, 997). O dogma da ressurreição dos mortos, ao mesmo tempo que fala da plenitude da imortalidade a que o homem está destinado, é uma viva lembrança da sua dignidade, especialmente na sua vertente corporal. Fala da bondade do mundo, do corpo, do valor da história vivida dia a dia, da vocação eterna da matéria. Por isso, contra os gnósticos do século II, se falou da ressurreição da carne, ou seja, da vida do homem no seu aspecto mais material, temporal, mutável e, aparentemente, caduco.

São Tomás de Aquino considera que a doutrina sobre a ressurreição é natural em relação à causa final (porque a alma está feita para estar unida ao corpo e vice-versa), mas é sobrenatural em relação à causa eficiente (que é Deus).

O corpo ressuscitado será real e material, mas não terreno nem mortal. São Paulo opõe-se à ideia de uma ressurreição como transformação que se leva a cabo dentro da história humana e fala do corpo ressuscitado como “glorioso” (cf. Fl 3,21) e “espiritual” (cf. 1 Cor 15,44). A ressurreição do homem, como a de Cristo, terá lugar, para todos, depois da morte. 

A Igreja não promete aos homens uma vida de êxito assegurado nesta terra em nome da fé cristã. Não haverá, assim, uma utopia, pois a nossa vida terrena estará sempre marcada pela Cruz. Ao mesmo tempo, pela recepção do Batismo e da Eucaristia, o processo da ressurreição já começou de algum modo (cf. Catecismo, 1000). Segundo São Tomás, na ressurreição, a alma informará o corpo tão profundamente, que ficarão nele refletidas as suas qualidades morais e espirituais. Neste sentido a ressurreição final, que terá lugar com a vinda de Jesus Cristo na glória, tornará possível o juízo definitivo de vivos e defuntos.


Relativamente à doutrina da ressurreição podem acrescentar-se quatro reflexões: 

- a doutrina da ressurreição final exclui as teorias da reencarnação, segundo as quais a alma humana, depois da morte, emigra para outro corpo, repetidas vezes se for preciso, até ficar definitivamente purificada. A esse respeito, o Concílio Vaticano II falou do «único curso da nossa vida», pois «está estabelecido que os homens morram uma só vez» (Heb9,27);

- manifestação clara da fé da Igreja na ressurreição do próprio corpo é a veneração das relíquias dos Santos;

- embora a cremação do cadáver humano não seja ilícita, a não ser que tenha sido escolhida por razões contrárias à fé (CIC, 1176), a Igreja aconselha vivamente a conservar o piedoso costume de sepultar os cadáveres. Com efeito, «os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade na fé e a esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal, que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo» (Catecismo, 2300);

- a ressurreição dos mortos coincide com o que a Sagrada Escritura chama a chegada dos «novos céus e da nova terra» (Catecismo, 1042; 2 P3,13; Ap 21,1). Não só o homem chegará à glória, mas todo o cosmos, em que o homem vive e atua, será transformado. «A Igreja, à qual todos somos chamados e na qual por graça de Deus alcançamos a santidade», lemos na Lumen Gentium (n. 48), não será levada à sua plena perfeição senão «quando vier o tempo da restauração de todas as coisas (cf. Act 3,21) e, quando, juntamente com o gênero humano, também o universo inteiro, que ao homem está intimamente ligado e por ele atinge o seu fim, for perfeitamente restaurado em Cristo». Haverá continuidade certamente entre este mundo e o mundo novo, mas também uma importante descontinuidade. A espera da instauração definitiva do Reino de Cristo não deve debilitar mas avivar, com a virtude teologal da esperança, o empenho de procurar o progresso terreno (cf. Catecismo, 1049).

2. O sentido cristão da morte

O enigma da morte do homem compreende-se somente à luz da ressurreição de Cristo. Com efeito, a morte, a perda da vida humana, apresenta-se como o maior mal na ordem natural, precisamente porque é algo definitivo, que só será vencida definitivamente quando Deus ressuscitar os homens em Cristo.

Por um lado, a morte é natural no sentido em que a alma pode separar-se do corpo. Deste ponto de vista, a morte marca o termo da peregrinação terrena. Depois da morte, o homem não pode merecer ou desmerecer mais. «Com a morte, a opção de vida feita pela pessoa humana torna-se definitiva». Já não terá a possibilidade de se arrepender. Logo depois da morte irá para o Céu, para o Inferno ou para o Purgatório. Para que isto se verifique, existe aquilo a que a Igreja chamou juízo particular (cf.Catecismo, 1021-1022). O fato da morte constituir o limite do período de prova serve ao homem para orientar bem a sua vida, para aproveitar o tempo e outros talentos, para atuar retamente, para se consumir ao serviço dos outros.

Por outro lado, a Escritura ensina que a morte entrou no mundo por causado pecado original (cf. Gn 3,17-19; Sb 1,13-14; 2,23-24; Rm 5,12; 6,23; Tg1,15; Catecismo, 1007). Neste sentido, deve ser considerada como castigo pelo pecado; o homem que queria viver à margem de Deus, deve aceitar o dissabor da ruptura com a sociedade e consigo mesmo como fruto do seu afastamento. No entanto, Cristo «assumiu a morte num ato de submissão total e livre à Vontade do Pai» (Catecismo, 1009). Com a sua obediência venceu a morte e ganhou a ressurreição para a humanidade. Para quem vive em Cristo pelo Batismo, a morte continua a ser dolorosa e repugnante, mas já não é uma lembrança viva do pecado, mas uma oportunidade preciosa de poder corredimir com Cristo, mediante a mortificação e a entrega aos outros. «Se morremos com Cristo, também viveremos com Ele» (2 Tm 1,11). Por este motivo, «graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo» (Catecismo, 1010).


3. A vida eterna em comunhão íntima com Deus 

Ao criar e redimir o homem, Deus destinou-o à eterna comunhão com Ele, aquilo que São João chama a “vida eterna”, ou o que se costuma chamar o “Céu”. Assim, Jesus comunica a promessa do Pai aos seus: «muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel nas pequenas coisas, entra no gozo do teu Senhor» (Mt 25,21). A vida eterna não é como «uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria».

A vida eterna é que dá sentido à vida humana, ao empenho ético, à entrega generosa, ao serviço abnegado, ao esforço por comunicar a doutrina e o amor de Cristo a todas as almas. A esperança cristã no céu não é individualista, mas referida a todos. Com base nesta promessa, o cristão pode estar firmemente convencido de que “vale a pena” viver a vida cristã em plenitude. «O céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva» (Catecismo, 1024); assim o exprimiu Santo Agostinho nas Confissões: «Fizestes-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração está inquieto até descansar em ti». A vida eterna, com efeito, é o objecto principal da esperança cristã.

«Os que morrem na graça e na amizade de Deus e estiverem perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo. Serão para sempre semelhantes a Deus, porque O verão “tal como Ele é” (1 Jo 3,2), “face a face” (1 Co 13,12)» (Catecismo, 1023). A teologia denominou este estado de “visão beatífica”. «Em virtude da sua transcendência, Deus não pode ser visto tal como é, senão quando Ele próprio abrir o seu mistério à contemplação imediata do homem e lhe der capacidade para O contemplar» (Catecismo, 1028). O céu é a máxima expressão da graça divina.

Por outro lado, o céu não consiste numa pura, abstrata e imóvel contemplação da Trindade. Em Deus o homem poderá contemplar todas as coisas que, de algum modo, fazem referência à sua vida, gozando delas e, em especial, poderá amar os que amou no mundo com um amor puro e perpétuo. «Nunca esqueçais que depois da morte vos receberá o Amor. E no amor de Deus encontrareis, além do mais, todos os amores limpos que tenhais tido na terra». O gozo do céu chega ao seu cume pleno com a ressurreição dos mortos. Segundo Santo Agostinho, a vida eterna consiste num descanso eterno e numa deliciosa e suprema atividade.

Que o Céu dure eternamente não significa que nele o homem deixe de ser livre. No céu, o homem não peca, não pode pecar, porque, vendo Deus face a face, vendo-O, além do mais, como fonte viva de toda a bondade criada, na realidade não quer pecar. Livre e filialmente, o homem salvo ficará em comunhão com Deus para sempre. Com isso, a sua liberdade alcançou a sua plena realização. 

A vida eterna é o fruto definitivo da doação divina ao homem. Por isso, tem algo de infinito. No entanto, a graça divina não elimina a natureza humana, nem no seu ser, nem nas suas faculdades, nem a sua personalidade, nem o que tenha merecido durante a vida. Por isso, há distinção e diversidade entre aqueles que gozam da visão de Deus, não quanto ao objeto, que é o próprio Deus, contemplado sem intermediários, mas quanto à qualidade do sujeito: «quem tem mais caridade participa mais da luz da glória e verá mais perfeitamente a Deus e será feliz». 


4. O inferno como recusa definitiva de Deus

A Sagrada Escritura afirma, repetidas vezes, que os homens que não se arrependerem dos seus pecados graves perderão o premio eterno da comunhão com Deus, sofrendo a desgraça perpétua. «Morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus, significa permanecer separado d’Ele para sempre, por nossa própria livre escolha. É este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra “Inferno”» (Catecismo, 1033). Não é que Deus predestine alguém à condenação perpétua; é o homem que, procurando o seu fim último à margem de Deus e da sua vontade, constrói para si um mundo isolado onde não pode penetrar a luz e o amor de Deus. O inferno é um mistério, o mistério do Amor recusado, é sinal do poder destruidor da liberdade humana quando se afasta de Deus. 

Relativamente ao inferno, é tradicional distinguir entre “pena de dano”, a mais fundamental e dolorosa, que consiste na separação perpétua de Deus, sempre desejado ardentemente pelo coração humano, e “pena dos sentidos”, a que se alude frequentemente nos evangelhos com a imagem do fogo eterno. 

A doutrina sobre o inferno no Novo Testamento apresenta-se como um chamamento à responsabilidade no uso dos dons e talentos recebidos e à conversão. A sua existência faz com que o homem vislumbre a gravidade do pecado mortal e a necessidade de o evitar por todos os meios, principalmente, como é lógico, mediante a oração confiada e humilde. A possibilidade da condenação recorda aos cristãos a necessidade de viver uma vida inteiramente apostólica.

Sem lugar a dúvidas, a existência do inferno é um mistério, o mistério da justiça de Deus para com aqueles que se fecham ao Seu perdão misericordioso. Alguns autores pensaram na possibilidade da aniquilação do pecador impenitente quando morre. Esta teoria é difícil de conciliar com o fato de que Deus deu, por amor, a existência – espiritual e imortal – a cada homem.


5. A purificação necessária para o encontro com Deus 

«Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do céu» (Catecismo, 1030). Pode pensar-se que muitos homens, mesmo que não tenham vivido uma vida santa na terra, não se manterão definitivamente no pecado. A possibilidade de serem limpos das impurezas e imperfeições da vida, mais ou menos malograda, depois da morte apresenta-se, então, como una nova bondade de Deus, como uma oportunidade para se preparar para entrar na comunhão íntima com a santidade de Deus. «O purgatório é uma misericórdia de Deus, para limpar os defeitos dos que desejam identificar-se com Ele».

O Antigo Testamento fala da purificação ultra-terrena (cf. 2 Mt 12,40-45). São Paulo na primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 3,10-15) apresenta a purificação cristã, nesta vida e na futura, através da imagem do fogo; fogo que, de algum modo, emana de Jesus Cristo, Salvador, Juiz e Fundamento da vida cristã. Embora a doutrina do Purgatório não tenha sido definida formalmente até à Idade Média, a antiquíssima e unânime prática de oferecer sufrágios pelos defuntos, especialmente mediante e santo Sacrifício eucarístico, é indício claro da fé da Igreja na purificação ultra-terrena. Com efeito, não teria sentido rezar pelos defuntos se estivessem, ou já salvos no céu ou, então, condenados no inferno. Os protestantes, na sua maioria, negam a existência do purgatório, já que lhes parece uma confiança excessiva nas obras humanas e na capacidade da Igreja de interceder pelos que deixaram este mundo. 

Mais do que um lugar, o purgatório deve ser considerado como um estado de temporário e doloroso afastamento de Deus, em que se perdoam os pecados veniais, se purifica a inclinação para o mal, que o pecado deixa na alma, e se supera a “pena temporal” devida ao pecado. O pecado não só ofende a Deus, e causa dano ao próprio pecador mas, através da comunhão dos Santos, causa dano à Igreja, ao mundo, à humanidade. A oração da Igreja pelos defuntos restabelece, de algum modo, a ordem e a justiça: principalmente por meio da Santa Missa, das esmolas, das indulgências e das obras de penitência (cf. Catecismo, 1032).

Os teólogos ensinam que no purgatório se sofre muito, de acordo com a situação de cada um. No entanto, trata-se de uma dor com significado, «uma dor feliz». Por isso, convidam-se os cristãos a procurar a purificação dos pecados na vida presente mediante a contrição, a mortificação, a reparação e a vida santa.


6. As crianças que morrem sem o Batismo

A Igreja confia à misericórdia de Deus as crianças que morreram sem terem recebido o Batismo. Há motivos para pensar que Deus, de algum modo, as acolhe, quer pelo grande carinho que Jesus manifestou pelas crianças (cf. Mc 10,14), quer porque enviou o seu Filho com o desejo de que todos os homens se salvem (cf. 1 Tm 2,4). Ao mesmo tempo, o fato de confiar na misericórdia divina não é motivo para diferir a administração do Sacramento do Batismo às crianças recém-nascidas (CIC 867), que confere uma particular configuração com Cristo: «significa e realiza a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade através da configuração com o Mistério pascal de Cristo» (Catecismo, 1239).


Paul O’Callaghan 


Bibliografia básica
Catecismo da Igreja Católica, 988-1050.

Nenhum comentário:

Postar um comentário