Cristo legou à sua Igreja o fundamento visível da autoridade, que emana do próprio Fundador, como garantia de perene unidade, na fiel observância de seus desígnios. Este fundamento se alarga e protrai na pessoa do Apóstolo Pedro e de seus legítimos sucessores. Neste período, em que celebramos o primeiro Chefe da Igreja, vamos abordar algumas características desta figura extraordinária de homem e Apóstolo.
Ao contrário do que poderiam prever os critérios humanos, o que mais se destaca na pessoa de Pedro é a fragilidade, tanto do ponto de vista de sua formação, quanto de sua personalidade. Nele, a ação de Cristo se revela com toda a força e eficácia, exatamente no contraste, tão próprio da pedagogia divina, entre a incapacidade humana e o dom sobrenatural: “Olhou para os humildes e operou neles grandes maravilhas” (cf. 1Sm 2,1-10 ; Lc 1,46-55).
Pedro recebeu diversos chamados de Deus em sua vida. O primeiro teve início a partir do encontro de João e André com Jesus: “Rabi, onde moras?” ― “Vinde e vede”. André foi logo contar a seu irmão, Simão Pedro, alegre com a descoberta que fizera: “Achamos o Messias”. Segue-se o relato do encontro: “Levou-o a Jesus, e Jesus, fixando nele o olhar, disse: ‘Tu és Simão, filho de João; serás chamado Kefas (que quer dizer pedra)’” (cf. Jo 1,38-42).
Mas Pedro teve outros repetidos chamados de Jesus, intensificando o chamado inicial. Por ocasião de uma pesca milagrosa, foram apanhados tantos peixes, que Pedro ficou completamente transtornado, a ponto de dizer: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador”. Diante deste sincero reconhecimento da própria fraqueza, Pedro ouve do Mestre: “Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens” (cf. Lc 5,1-11). Jesus o chama a si, para fazê-lo Apóstolo, enviado a todos para anunciar a mensagem e as obras do Senhor. Cristo atrai o pecador para transformá-lo.
No grande discurso sobre a Eucaristia, narrado no Evangelho de São João, quando Jesus começou a falar sobre comer a sua Carne e beber o seu Sangue, muitos dos seus discípulos murmuraram: “Isto é muito duro! Quem o pode admitir?” E foram se afastando. Restou um pequeno grupo, do qual faziam parte os Doze. Jesus voltou-se para eles, perguntando: “Quereis vós também retirar-vos?” Pedro tomou a palavra e fez sua profissão de fé: “Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus!” E Jesus confirmou a eleição que fizera: “Não vos escolhi, eu, aos Doze?” (Jo 6,60.67-70).
Numa outra oportunidade, os discípulos foram a um lugar retirado para descansar, depois de uma missão bem sucedida. Estavam no território de Cesaréia de Filipe, região muito bela e tranqüila. E Jesus começou a perguntar-lhes: “No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?” Diante das respostas variadas, que citavam desde Elias até João Batista, passando pelos demais profetas, Jesus perguntou: “‘E vós quem dizeis que eu sou?’ Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!’ Jesus então lhe disse: ‘Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela’” (cf. Mt 16,13-18).
Esta afirmação tem um sentido eclesiológico profundo, pois completa o significado do nome que fora atribuído a Kefas, ou Simão, no seu primeiro contacto com Jesus. Cremos que a Igreja conta com a permanente assistência do Espírito Santo; portanto, jamais irá perecer. E um dos efeitos mais evidentes desta ação divina é a pedra que, em nome de Cristo, sustenta e conduz a Igreja, peregrina neste mundo. Em nosso tempo, isto se realiza na pessoa do 266° sucessor de Pedro, o atual Papa Bento XVI.
O último chamado, que Pedro ouviu do Senhor, deu-se após a ressurreição, numa refeição que Jesus havia preparado para eles, à beira do lago de Tiberíades. Depois de terem comido, Jesus perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” A tríplice profissão de amor, exigida por Jesus, nos remete à tríplice traição de Pedro. Mais uma vez vemos a fragilidade humana transformada pelo dom divino. A única exigência é o amor: “Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo”... Essa retribuição de Pedro ao amor abriu-lhe o coração, permitindo que a graça o tornasse apto para a missão: “Apascenta as minhas ovelhas” (cf. Jo 21,15-17 ; Mt 26,69ss).
Tendo cumprido o que Jesus lhe confiara, Pedro foi crucificado, no local onde hoje se encontram os Jardins do Vaticano. Sempre que passo por lá, sinto como que uma atmosfera mística. Parece-me ainda ouvir as palavras do Apóstolo, pedindo para ser pregado na cruz, de cabeça para baixo, por não se considerar digno de morrer na mesma posição em que Jesus morrera. Assim nos conta uma tradição bem antiga.
Esses chamados confirmaram Pedro de tal forma que, após a subida de Jesus aos céus, ele tornou-se responsável pela comunidade nascente. Obedecendo à ordem de Jesus, os discípulos esperaram a vinda do Consolador prometido (cf. Jo 15,26 ; 16,7-15). E assim aconteceu no dia de Pentecostes. Cristo, o Ungido por excelência, ungiu os Apóstolos para participarem de seu próprio Ministério e Sacerdócio. O Espírito Santo pairou sobre eles, em forma de línguas de fogo. Pedro, chefe dos Apóstolos, tornou-se o substituto visível de Cristo, na direção da Igreja, cuja hierarquia, pouco a pouco, se estruturava.
E não se reconhecia mais Pedro. Ele começou a pregar, e falava com tanta audácia e clareza, inclusive apoiando-se em textos da Sagrada Escritura, que já não lembrava o pescador fraco e medroso do passado. E, assim, ele converteu milhares de pessoas, que foram batizadas, e a Igreja foi crescendo, graças à sua atuação junto a essas comunidades. Toda a epopéia da Igreja primitiva é narrada nos Atos dos Apóstolos, escritos por São Lucas. Lá se encontram as pregações de São Pedro e de São Paulo.
Pedro foi o primeiro chefe visível da Igreja, substituído em legítima sucessão, até os nossos dias. Assim, os Papas exercem a autoridade em nome de Jesus, falando e agindo por Ele, através da infalibilidade dos seus pronunciamentos, porque é o próprio Espírito Santo que os inspira a conduzir a Igreja.
Hoje, admirando a sucessão apostólica como obra da infinita misericórdia de Deus para com o seu povo, voltamo-nos, uma vez mais, para o nosso querido Papa Bento XVI. Certamente, Deus suscitou para a sua Igreja um guia à altura dos desafios que o mundo atual nos propõe - um Papa moderno, firme e, ao mesmo tempo, sensível, que parece aliar a poesia à sabedoria, na unicidade da sua pessoa e da sua cultura.
As suas pregações, embora profundas no conteúdo, são simples na linguagem. Seguindo a linha de João Paulo II, demonstra grande interesse em dialogar com a ciência, mostrando que esta não se opõe à fé, mas, pelo contrário, ambas se complementam: a ciência confirma a fé e a fé ilumina a ciência.
As suas pregações, embora profundas no conteúdo, são simples na linguagem. Seguindo a linha de João Paulo II, demonstra grande interesse em dialogar com a ciência, mostrando que esta não se opõe à fé, mas, pelo contrário, ambas se complementam: a ciência confirma a fé e a fé ilumina a ciência.
Além disso, ele se preocupa muito com o vazio do ser humano materialista, e nos ensina sobre a transcendência de um Deus que nos chama, que nos atrai, como que imantados pela sua glória, ao encontro daquilo que é eterno e imperecível. Através das reflexões de nosso Papa, aprouve ao Amor infinito, ainda uma vez mais, derramar-se sobre a terrível aridez que devasta os corações das pessoas do nosso tempo. Por tudo isso, Bento XVI já começa a ser definido como o “Papa da caridade”.
A ele o nosso devotamento, a nossa obediência e a nossa disponibilidade para servir em tudo que possa ser útil à Igreja, nos seus filhos e filhas.
CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
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