Tal
como conhecemos, os demônios já eram objeto de estudo e de especulações desde
os povos Sumérios e Acádios, que influenciaram por sua vez a Mesopotâmia , os
povos Hebreus, os caldeus e o mundo helênico. Na Mesopotâmia, os males que não
constituíam grandes catástrofes naturais eram atribuídos a influência dos
demônios. Os demônios, acreditavam os mesopotâmicos, eram numerosos, divididos
em legiões encarregados de espalhar o mal aos homens e à natureza, segundo cada
espécie. Havia o grupo que cuidava de espalhar as doenças contagiosas (lepra e
malária), o grupo que influenciava na natureza (vendavais, maremotos) e o grupo
que influenciava o comportamento do homem (raiva, ódio, fúria, epilepsia,
distúrbios) . Para cada grupo específico havia os “sacerdotes”, homens
estudados e preparados para enfrentá-los e exorcizá-los com rituais,
magias,sacrifícios e chás preparados com ervas próprias. Havia, entretanto, o
maior de todos, que nenhum sacerdote conseguia derrotar: o demônio da morte que
atemorizava principalmente as gestantes e crianças recém nascidas. O índice de
mortalidade infantil era muito elevado nesta região e época, e isto era
atribuído a um ser espiritual horrível que não poupava as crianças de viverem.
Este demônio era concebido sob a forma de uma serpente
Tais pensamentos chegaram ao
povo de Israel e a superstição a respeito do assunto fez crescer as
especulações e o temor. O judaísmo do período neotestamentário demonstrava uma
crença forte nos poderes do demônio, derivada em muitos aspectos da Mesopotâmia
como também dos gregos. A cultura helênica colocava o demônio como um ser
intermediário entre os deuses e os homens. E, também lá era forte a crença de
que o demônio fosse causa de muitas doenças e desgraças.
Para os judeus e cristãos, a
origem dos demônios se explica pela exegese bíblica: nos livros apócrifos eles
são descritos como anjos decaídos. No livro dos Gênesis, teriam eles surgidos
da união entre os filhos de Deus e as filhas dos homens (Gn 6,1-4). Nesta
passagem observamos que os demônios são filhos de Satanás (que se apresentou
sob a forma de serpente no Paraíso) com as filhas de Adão, dando origem aos
gigantes da mitologia e do folclore judaico. No livro da Sabedoria, vemos
refletida a idéia de que o demônio é o gerador da morte e das desgraças, no
versículo 24 do capítulo 2: “é por inveja do diabo que a morte entrou no
mundo”.( cf Jó 1,6; Gn 3,1; Sl 72,9) A tentação do pecado, além de doenças e
desgraças, após o pecado dos primeiros pais, também era atribuída aos demônios.
Os Judeus, como os mesopotâmicos, acreditavam que os demônios estavam
organizados em grupos chamados legiões sob a chefia de Satanás, Mastema ou
Belial. No Livro de Judite, Capítulo 6, são denominados “anjos que não
conservaram o seu principado, abandonando a sua morada e estão, por isso,
presos em cadeias eternas à espera do grande juízo”.
A presença dos demônios no
Novo Testamento, é fruto de crenças trazidas do judaísmo e das religiões
mesopotâmicas. As possessões demoníacas que aparecem nos Evangelhos, Atos e nas
Cartas de Paulo, ilustram a forte crença de que os Os demônios são freqüentemente chamados de
“espíritos”, especialmente com o acréscimo de “impuros”: “Certa vez veio ao
nosso encontro uma escrava que era possuída por um espírito impuro que fazia
adivinhações trazendo muito lucro para seus donos”. (At16,16) São também
chamados de “anjos de Satanás” por São Paulo: “Para que eu não me encha de
soberba e orgulho foi me dado um aguilhão na carne, um anjo de satanás, para me
espancar...” (2Cor 12,7).
Possessão
Diabólica
Por possessão diabólica se
entende a posse de uma pessoa humana por um espírito do mal, de maneira que tal
espírito assuma a personalidade do ser humano, controlando todos os seus
movimentos físicos, inclusive a fala. A crença na possessão diabólica não
aparece no Antigo Testamento, nem em qualquer obra literária anterior ao
judaísmo. Os antecedentes da crença do poder dos demônios em serem os
causadores de catástrofes, doenças e morte, não era visto como necessariamente
uma possessão, mas apenas como uma manifestação do poder do mal. Neste caso, o
demônio não estava na pessoa, mas somente o seu poder.
Já nos Evangelhos e nos Atos
dos Apóstolos, são mencionadas muitas possessões propriamente ditas, com
direito a exorcismos, alguns, inclusive, feitos por Jesus. (Mt 8,16; Mc 1,34;
Lc 11,19; At 5,16) De particular interesse são os episódios em que o
comportamento da pessoa possessa e a expulsão são descritos com alguns
pormenores. Pessoas são agitadas e sacudidas pelos demônios(Mc 1,23-27); o
demônio de Gerasa vivia em cemitérios e era possuidor de força extraordinária e
após a expulsão vai habitar numa vara de porcos que se precipita no mar (Mt
12,22; Lc 11,14). Em Mt 17, encontramos um caso explícito de epilepsia
atribuída a uma possessão demoníaca de quem os discípulos não tiveram poder de
expulsar. Em At 16, São Paulo expulsa um demônio de uma escrava que adivinhava
o futuro
Muitos escritores modernos
explicam os relatos de possessão, nos Evangelhos, dizendo que as pessoas
daquela época permaneciam com a ingênua crença dos antigos pais para os quais
os males de causa desconhecida eram obras do demônio. As pessoas que eram
chamadas de possessas apenas sofriam de desordem psíquica que não podiam ser
reconhecidas como tais. Não podemos generalizar, supervalorizar ou menosprezar
a presença do Mal no mundo. O bom senso e a prudência em tais afirmações parece
que passaram ao largo. Esses escritores dizem que Jesus se acomodou à crença
popular e usou a linguagem que todos estavam familiarizados para anunciar o
reino de Deus. Eles não desmerecem os poderes de Jesus e a sua divindade, pois
de fato as curas eram realizadas, os pecados eram perdoados. Jesus realizava
tais milagres usando da linguagem parabólica e simbólica da tradição que estava
enraizada naquele povo há muito tempo.
Quando Jesus efetuava a cura,
a pessoa toda era renovada. Não era uma cura somente corporal, mas espiritual.
Jesus sempre pedia aos curados, mudança de vida e de atitudes: era uma cura do
coração, veio até Ele um homem possuído por um espírito impuro que habitava no
meio das tumbas e ninguém podia dominá-lo. Muitas vezes era acorrentado e
algemado, mas sua força era tanta que arrebentava com as algemas e grilhões”;
(Mc 5, 4-5) e no conhecimento religioso manifesto pelos expulsos: “Que queres
de nós, Jesus de Nazaré. Sei quem tu és, és o Santo dos Santos, o Santo de
Deus” (Mc 1, 24). O importante é que em todas as ocasiões, Jesus vence o poder
do mal; a manifestação do poder do demônio seja nas doenças ou nas deficiências
torna-se secundária quando nos atemos ao poder de Jesus frente ao mal. Não
importa como o demônio se manifeste, Jesus sempre o vencerá. “Ao entardecer, trouxeram-lhe
muitos endemoninhados e ele, com uma palavra expulsou os espíritos e curou
todos os que estavam enfermos a fim de se cumprir o que foi dito pelo profeta
Isaias: ‘levou-nos nossas enfermidades e carregou nossas doenças’” (Mt 8,16-17).
Jesus nos faz conhecer que não
basta somente o exorcismo. É preciso substituir o poder demoníaco pelo poder do
bem e por uma iluminação interior do indivíduo. O exorcismo é o primeiro passo
no processo de cura. O espírito impuro é exorcizado para que seja substituído
pelo Espírito Santo.
A
Tentação
Um dos aspectos do domínio de
Satanás é o seu poder de manipular (e de tentar) as mentes dos homens.
Semelhante poder supõe nele profunda compreensão da alma humana, das vontades e
das inclinações dos filhos de Deus. Satanás é descrito como o tentador em Mateus:
“Então, aproximando-se o tentador disse: transforme estas pedras em pão” (Mt
4,3); como o pai da mentira em João: “Vós sois do diabo, vosso pai, e quereis
realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não
permaneceu na verdade. Por que nele não há a verdade. Quando mente fala do que
lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44); é enganador e
usa de formas inocentes para ludibriar o homem: “O próprio Satanás se
transfigura em anjo de luz” ( 2Cor 11,14).
São Justino, no discurso “O
Verbo e suas Sementes”, comenta “os malvados demônios estenderam um véu sobre
os divinos ensinamentos de Cristo, com a finalidade de apartar os homens [...].
Usa de estratagemas para tentar o homem a separá-lo da graça de Deus, desejando
separar o Criador de sua criatura, o Pai de seus filhos. Esta separação
constitui o traço essencial do pecado. O pecado de Adão é o pecado do
rompimento da unidade, do rompimento da harmonia, rompimento da verdade. Em
Adão a humanidade se afastou de Deus” [...]. “Nossos primeiros pais eram puros,
mas concebendo a palavra da serpente, geraram a desobediência, a divisão e a
morte” (São Justino).
O demônio usa a divisão para
enfraquecer o homem. Quando a alma do homem está dividida pelo pecado, o
egoísmo se instala e a inveja toma seu trono no coração humano. A inveja de
Caím, fruto de um coração dividido e egoísta, levou a assassinar seu irmão.
Além da separação, a Satanás é
atribuído tradicionalmente o domínio do mundo secular. Ele é descrito como o
“príncipe deste mundo”: “É agora o julgamento deste mundo; agora o príncipe
deste mundo será lançado fora ,e quando eu for elevado atrairei todos a mim” .
(Jo 12,31) Paulo o chama de “o deus deste mundo”: “Se o nosso Evangelho
permanece velado, está velado para aqueles que se perdem, para os incrédulos,
dos quais o deus deste mundo obscureceu a inteligência a fim de que não vejam
brilhar a luz do Cristo”. (2Cor 4,3-4).
Santo Inácio de Antioquia, na
Patrística, usa também a expressão “príncipe deste mundo” para falar do
demônio, e nos adverte; “O príncipe deste mundo quer arrebatar-me e corromper
meus sentimentos em relação a Deus. Não sejais como os que invocam Jesus
Cristo, mas desejam o mundo! Na habite entre vós a inveja!” (Sermão aos Romanos).
Quando o diabo tentou Jesus O
levou para uma alta montanha e lhe mostrou todos os reinos do mundo dizendo:
“eu te darei tudo isso se, prostrando-se me adorares” (Mt 4,8). O ter, o ser e
o poder são os alvos preferidos do demônio para tentar separar o homem de Deus.
“O demônio é uma criatura que
seduz, apresentando-se muitas vezes como tentação da carne e da beleza”. Assim
acreditavam os padres do deserto. Às vezes se apresenta sob forma humana,
possuidor de uma beleza sedutora, como um anjo de luz. Assim é descrito o demônio
pelos primeiros cristãos gregos que o pintaram como sendo jovem e encantador,
dizendo com isso que o mal é tão atraente e poderosamente sedutor, que os
homens cedem ou consentem com o mal diante de sua tentação. “De diversas
maneiras o demônio mostra sua hostilidade para com a verdade. Pretende por
vezes golpeá-la simulando defendê-la. Faz-se defensor do único Senhor para
extrair da divina unidade uma heresia” (Tertuliano, ao defender o dogma da
Santíssima. Trindade, contra heresia da Praxéias.
O
Exorcismo
O Primeiro Concílio de caráter
local que assumiu uma atitude solene e decidida sobre a questão do diabo foi o
Concilio de Praga (Portugal), em 561, numa declaração contra os priscilianos,
que acreditavam que o diabo não havia sido criado por Deus. A Igreja então
afirmou que Deus criou-os anjos perfeitos e por causa de seu livre arbítrio
rebelaram-se. Mais tarde, outras afirmações foram consolidadas pelo Magistério
e a Tradição a respeito da origem, obras e tentações demoníacas. Por isso o
exorcismo deve ser visto dentro do contexto da Igreja. Para os cristãos, o
exorcismo não se trata de um ritual gnóstico, nem do domínio de uma técnica,
nem da habilidade mística de um sacerdote. O exorcista é ministro de Cristo e
da Igreja. É Cristo quem exorciza. É o seu poder que subjuga e lança para fora
o mal através do sacerdote, em nome da Igreja. Porque é a Igreja, corpo místico
de Cristo, quem capacita, pelo Sacramento da Ordem, a realizar a obra de Cristo
em nome d’Ele.
Na Igreja Primitiva, o
exorcismo era feito sempre por um sacerdote cuja vida espiritual era intensa, e
sempre na companhia de outros membros da Igreja, que se uniam ao sacerdote na
oração, recordando que, onde dois ou três estivessem reunidos em nome do
Cristo, Ele estaria no meio deles. Sendo assim, era garantida a presença de
Cristo num ritual de exorcismo, pois esta promessa saiu da própria boca do
Senhor. O exorcismo é uma oração dirigida a Deus, a fim de afastar os demônios
ou os espíritos maus das pessoas, lugares ou coisas que estejam infestados por
eles, que correm o perigo de se converterem em vítimas ou instrumentos de sua
maldade. O exorcismo é uma oração da Igreja que reza unida pelo afastamento da
presença do mal. A fé, a vocação e a integridade espiritual do sacerdote
desempenham um papel importante no êxito do exorcismo: “E constituiu doze para
que ficassem com Ele, para enviá-los a pregar e terem autoridade para expulsar
os demônios”. (Mc 3,14; Mt 10,1).
Também no Sacramento do
Batismo as forças do mal são exorcizadas pelo sacerdote, purificando assim a
alma da criança para receber o Espírito Santo pelas águas batismais. Três
grandes orações são elevadas a Deus para que qualquer tipo de mal seja afastado
daquele que receberá o Batismo.
As orações que se elevam a
Deus em nome do Senhor Jesus para obter a libertação do mal, seja ele qual for,
está presente no culto cristão desde o principio. A fé cristã se caracteriza
pela convicção invencível de que Cristo é Senhor e de que o pecado, a morte e
Satanás não terão a última palavra sobre o destino definitivo do homem. O
cristão autêntico está seguro que Cristo já venceu o mal embora suas
manifestações ainda sejam sentidas no mundo.
Pe. Paulo Augusto Tamanini
Bibliografia
1. MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico São Paulo. Ed Paulinas 1983
2. STEFANO, de Fiores Dicionário de Espiritualidade São Paulo. Ed Paulinas, 1989.
3. GOMES, C Folch Antologia dos Santos Padres. São Paulo Ed. Paulinas 1979
2. STEFANO, de Fiores Dicionário de Espiritualidade São Paulo. Ed Paulinas, 1989.
3. GOMES, C Folch Antologia dos Santos Padres. São Paulo Ed. Paulinas 1979
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