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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Islã, Cristandade e pensamento moderno





A Batalha de Lepanto é lembrada como uma vitória da Igreja sobre o avanço do Império Otomano (os islâmicos) que pretendiam estender seus domínios e assim acabar com o cristianismo na Europa. É uma vitória, que dependeu da aliança de reis católicos, muitos deles em conflito uns com os outros. Mas também é atribuída à intervenção da Virgem Maria do Rosário.




“A ruptura entre a ordem espiritual e a ordem racional é o maior problema que o mundo moderno tem a enfrentar.”


(DAWSON, C. Religione e Cristianesimo nella Storia della Civiltà, Roma: Paoline, 1984, p. 152)



O radicalismo islâmico é considerado, hodiernamente, o capital inimigo da modernidade, por considerá-la herança e conseqüência da civilização cristã, quando, entretanto, esta, cujo apogeu encontra-se no Medievo, é exatamente o oposto daquela.

Antepõem-se os ícones da modernidade aos valores da Cristandade. Os modernos, sabe-se bem, cultuam o igualitarismo, em seus variados matizes, o laicismo, a técnica, a fraternidade sem referência a Deus, a moral relativizada  por uma falsa antropologia, o mercado desvinculado da ética, o nacionalismo, o Estado ora liberal oral totalitário, o dogma racionalista, o positivismo jurídico, o historicismo. Na mente dos pensadores católicos, por sua vez, desde a contra-revolução da Vendéia, passando pelos cristeros do México, pelos mártires da Guerra Civil Espanhola, e pelos intelectuais do calibre de um Joseph de Maistre, de um Cardeal Pie, de um Louis de Veuillot, de um Juan Donoso Cortés, de um Jackson de Figueiredo, de um Plínio Corrêa de Oliveira e de um Gustavo Corção, estão uma concepção sacral de mundo, a desigualdade harmônica – contrária ao igualitarismo e à desigualdade injusta –, o progresso aliado à tradição, o Estado subsidiário, a solidariedade evangélica, o patriotismo temperado pelo universalismo medieval, o jusnaturalismo escolástico, a fé unida à razão, a verdade absoluta cognoscível, a economia responsável.

Colocar-se contra o radicalismo islâmico não é referendar os pressupostos da modernidade. Por outro lado, rejeitar a modernidade, e a filosofia liberal que a sustenta, não significa, tampouco, defender o radicalismo islâmico ou as ideologias totalitárias que a ela aparentemente se opuseram no século XX – nazismo e comunismo. Esses últimos, aliás, mais do que inimigos da modernidade, foram seus herdeiros: em uma análise mais profunda, nazismo, fascismo, comunismo e socialismo, ainda que lutando entre si e contra alguns pontos do pensamento moderno, deste tornaram-se os grandes realizadores em sua premissa maior, qual a seja relativização da moral e a construção da verdade subjetiva. Conforme Paul Hazard e Ortega y Gasset, os totalitarismos não atacaram a modernidade em si – até porque, como vemos, dela parte a matriz filosófica de suas doutrinas –, mas o que nela ainda não tinha sido destruído de cultura cristã. O alvo dos comunistas e nazistas, como dos fanáticos muçulmanos, não é a modernidade, e sim os poucos valores cristãos que nela subsistem. Totalitários e terroristas, na verdade, almejam aniquilar não a modernidade pela modernidade, mas esta por causa dos resquícios de cristianismo; pretendem executar o ethos cristão ocidental, aquilo que a própria modernidade queria, mas não conseguiu fazer, o que gerou a incorporação de traços da Cristandade por esta.

O Estado e a cultura modernos começam a delinear-se com os filósofos racionalistas. Penetrando as idéias igualitárias e liberais na mente dos governantes, pela ação dos inimigos da Igreja, uma primeira providência para destruir a ordem social cristã foi a redescoberta de alguns contra-valores, já tempos felizmente sepultados, presentes na cultura greco-romana, por ocasião da Renascença.

Com efeito, apresentou-se como pretexto para o Renascimento a revalorização da cultura clássica. Note-se que o motivo é descaradamente mentiroso. Muitos de boa-fé, concedemos, estavam realmente interessados na promoção das artes. Todavia, a cultura clássica nunca esteve morta na Idade Média, como falsamente alardeavam os renascentistas. Pelo contrário, a filosofia, a arte, a literatura, o Direito, a estética do Medievo foram moldadas no classicismo – iluminado pela fé cristã. De Roma e da Grécia mantiveram os bárbaros invasores costumes e instituições, e os medievais não cessaram de promovê-los.

O que, realmente, da Hélade e da România, não permaneceu foram certos institutos e hábitos incoerentes em face do cristianismo que triunfou e sabiamente governou a Idade Média. Podemos dizer que os valores positivos greco-romanos permaneceram, ao passo em que os negativos foram logicamente postos de lado, por sua evidente incompatibilidade com a doutrina de Cristo.

Em nome da ressurreição da cultura clássica – que, vimos, não morreu na Idade Média, o que torna absurdo qualquer “renascimento” (só renasce quem morreu) –, a Renascença fez voltar, isso sim, os contra-valores. O que era bom no classicismo não pereceu no Medievo, ao contrário do que alegam os renascentistas. Tal perecimento inexistente foi criado por mentes perversas para, sob esta mentirosa alegação, revitalizar o que de ruim já tinha sido morto pelo cristianismo. Percebe-se, nisso, a “coincidência” histórica: no Renascimento apareceram idéias típicas da Antigüidade, como o despotismo dos monarcas, o centralismo estatal, a escravidão, o racismo, o nacionalismo exagerando o patriotismo, o mercantilismo. Todos esses pontos da cultura clássica, tremendamente imorais, negativos, não existiam na Idade Média, justamente pela ação da Igreja, que soube separar o bom do mau dentre as manifestações da Antigüidade.  No período medieval, os valores clássicos positivos foram preservados. A partir da Renascença somam-se a estes os negativos, trazidos pelo antropocentrismo e pelo nascente racionalismo.

Da Renascença ao absolutismo monárquico foi um passo. Idéia clássica, ausente na Idade Média – essencialmente descentralizadora e fiel à subsidiariedade, haja vista o sistema o feudal –, o poder absoluto dos reis é um pensamento que obviamente foi gerado pela intelectualidade renascentista. E quando, descontentes com essa imoralidade que fazia do rei uma espécie de dono da sociedade, e do Estado uma extensão da propriedade privada, alguns iniciaram suas justas críticas a esse status quo, não permitiram os liberais que se voltasse ao regime da Cristandade, que tantos benefícios patrocinara. A contrário senso, conduziram tudo para que a sociedade desse outro passo em direção ao abismo: e venceu a Revolução Francesa, a qual não apenas removeu o nefasto absolutismo, senão, com ele, muitos traços da ordem social católica que ainda persistiam, teimosamente, a despeito de todos os malefícios renascentistas que se lhe infligiam.

Para a Igreja, a Idade Moderna, caracterizada sobretudo pelo Renascimento e pela Reforma Protestante, foi uma época de crise, pela qual, à semelhança de uma ponte, o mundo caminhou ao Iluminismo e à vitória dos liberais na Revolução de 1789. É bem verdade que a Idade Moderna ainda conservaria traços de cristianismo bem vivos, como se nota na evangelização da América, nas grandes espiritualidades que se desenvolveram no período e até mesmo nos primeiros tempos da Era Contemporânea – os jesuítas de Santo Inácio de Loyola, a reforma do Carmelo por Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, a popularização da devoção ao Coração de Jesus por São Cláudio de la Colombière, as famílias espirituais fundadas por São Francisco de Sales, por Santa Joana de Chantal, por São Vicente de Paulo e por Santa Luísa de Marillac etc –, na arquitetura eclesiástica.

Todavia, tais traços de fé cristã iam pouco a pouco se apagando nos ambientes temporais, ao mesmo tempo em que os verdadeiros católicos a eles se apegavam para explicitar sua adesão plena à Igreja, em um combate que será travado amplamente no século XIX. “O novo espírito que inicia a descristianização moderna da Europa traz também consigo uma admiração nova pela Antigüidade pagã greco-romana. A Idade Média, evidentemente, conhecia e apreciava a Antigüidade, porém, ainda que a assumisse em boa parte, considerava-a superada pelas grandes sínteses da Cristandade posterior. O Renascimento, pelo contrário, estima a Antigüidade como uma era de ouro, ao mesmo em que desvaloriza a Idade Média.” Daí surge a lenda negra, tão bem explicada pelo conceituado jornalista italiano Vittorio Messori, tentativa anticatólica de falsificação da Idade Média, e de considerar eventuais abusos em tal período cometidos como normais e corriqueiros – e mesmo como aceitos. Tempo tão pleno do Evangelho, que, segundo os Papas, governava os Estados, precisava ser alvo de campanhas difamatórias e mentirosas por parte dos que odiavam a Igreja, se quisessem estes ver seus planos vitoriosos.

O antropocentrismo renascentista   é que faz a passagem da Idade Média católica para o Iluminismo laicista, o que vai necessariamente refletir-se nas relações entre Estado e Igreja. O que, na Idade Moderna, era uma crise, na Idade Contemporânea, a partir da queda da Bastilha e do Ancién Régime – o qual, vimos, conservava, ainda que por vezes timidamente, aspectos do cristianismo –, vai se transformar no que a Igreja classificou como secularização, mundanização, descristianização das Nações do Ocidente, destruição da Cristandade, autêntica apostasia. Favorecida pela Reforma Protestante, que, além de sustentar o liberalismo espiritual – livre-exame das Escrituras – e o igualitarismo eclesiástico – negava a autoridade do Papa e o caráter sacramental da ordenação dos ministros –, rompeu aquela saudável unidade moral da Europa Ocidental, a crise inaugurada pela Renascença não é de imediato vencedora, em face da força da herança medieval católica. Inspira, entretanto, o liberalismo dos novos filósofos. Na Idade Moderna, lança-se o grito: “Cristo sim, Igreja não.” A partir do Iluminismo o mote é outro, de sabor bem maçônico: “Deus sim, Cristo não.” Como se esses dois lemas já não fossem demoníacos o suficiente, prepara-se o terreno para o ateísmo contemporâneo: “O homem sim, a terra sim, a fraternidade sim, a paz sim, o amor sim; Deus não.”

“Primeiro se alça um grande clamor crítico; reprovam seus ancestrais por não lhes ter transmitido mais que uma sociedade mal feita, toda de ilusões e sofrimento. (...) Rapidamente aparece o acusado: Cristo. O século XVIII não se contentou com uma Reforma; o que quis abater foi a cruz; o que quis apagar foi a idéia de uma comunicação de Deus com o homem, de uma Revelação; o que quis destruir foi uma concepção religiosa da vida.

Estes audazes também reconstruíam: a luz de sua razão dissiparia as grandes massas de sombras de que estava coberta a terra; voltariam a encontrar o plano da natureza e só teriam de segui-lo para recobrar a felicidade perdida. Instituíram um novo Direito, que já não teria nada que ver com o Direito divino; uma nova moral, independente de toda teologia; uma nova política, que transformaria os súditos em cidadãos. E para impedir seus filhos de recair nos erros antigos, dariam novos princípios à educação.”

Pelos frutos, vemos o resultado danoso de tal filosofia. Mentindo sobre uma suposta Idade Média obscurantista e supersticiosa, arrogaram-se os filósofos liberais em iluminadores, e, destruindo tudo o que para eles eram erro e sombras – a fé, a concórdia entre Estado e Igreja, a sacralização das estruturas temporais –, inventaram novo Direito, nova sociedade, nova moral, onde Cristo não mais reinaria, onde a doutrina revelada por Deus – esse conceito tão antagônico à sua falsa concepção de livre-pensamento e autonomia da razão – não teria vez.

“Entre 1680 e 1715 produz-se, com efeito, um grande assalto – religioso, intelectual, artístico e político – contra essa Cristandade, que ainda perdura em grande parte durante o classicismo do século XVII. Partido de Descartes (+1650), homens como o panteísta Spinoza, ou como Malebranohe, Locke, Leibniz, Bayle, radicalizam a autonomia do pensamento e da moral, desvinculando-as da Igreja de Cristo.”

Podemos enumerar, neste ponto de nosso estudo, as fases dessa autêntica revolução cultural de caráter gnóstico e anticatólico: o Renascimento, ajudado pela Reforma Protestante, conduz a um estado de coisas liberal e pagão; desarmado o Ocidente pela ruptura de sua unidade, em face da protestantização de algumas Nações, abre-se espaço para o pensamento cartesiano, totalmente oposto ao sistema de Aristóteles e Santo Tomás; tal mudança, somada aos costumes pagãos ressuscitados pelo Renascimento – escravidão, mercantilismo, luxúria, vida de sentidos, deturpação das artes, culto à vaidade, comportamento desregrado e sem disciplina, despotismo e tirania dos reis – e às pretensões dos novos filósofos, constitui terreno fértil para o advento do Iluminismo; as idéias desse movimento obtém vitória política com a Revolução Francesa de 1789 ; daí em diante, avança o secularismo até as novas correntes de pensamento: laicismo, naturalismo liberal, socialismo, fascismo. Contra tal ação, orquestrada e conduzida soretudo pela maçonaria, como seus membros sempre fizeram questão de anunciar, bateu-se a Igreja Católica, a Esposa de Cristo.

“Os assaltantes triunfavam pouco a pouco. A heresia não era já solitária e oculta; ganhava discípulos, tornava-se insolente e jactanciosa. A razão não era mais um juízo equilibrado, senão uma audaciosa crítica. As noções mais comumente aceitas, a do consentimento universal que provava Deus, a dos milagres, punham-se em dúvida. Relegava-se o divino a céus desconhecidos e impenetráveis; o homem, e só o homem, convertia-se na medida de todas as coisas; era por si mesmo sua razão de ser e seu fim. (...) Haveria-se de edificar uma política sem Direito divino, uma religião sem mistério, uma moral sem dogmas. (...) Operou-se uma crise na consciência européia; entre o Renascimento, da qual procede diretamente, e a Revolução Francesa, por ela preparada, não há crise mais importante na história das idéias. A uma civilização fundada na idéia do dever – os deveres para com Deus, os deveres para com o príncipe – os novos filósofos intentam substituí-la com uma nova civilização fundada na idéia do direito: os direitos da consciência individual, os direitos da crítica, os direitos da razão, os direitos do homem e do cidadão.”

Ganhava força o Estado Moderno: separado radicalmente da Moral por Deus revelada, arrogando-se supremacia sobre a Igreja de Cristo, defensor de falsos conceitos de liberdade, de igualdade e de fraternidade, relativista. Em suma, liberal.

Sobre as diferenças entre as concepções liberais do lema “liberdade, igualdade, fraternidade” e a verdadeira definição dessas expressões segundo a doutrina católica, resume o Papa Leão XIII, principal incentivador do pensamento social da Igreja: “(...) o grande benefício de voltar as mentes dos homens à liberdade, fraternidade e igualdade de direito; não tais como os maçons absurdamente imaginam, mas tais como Jesus Cristo obteve para o gênero humano e aos quais São Francisco aspirou: a liberdade, nós queremos dizer, de filhos de Deus, através da qual podemos ser livres da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, ambos os mais perversos mestres; a fraternidade cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos; a igualdade a qual, fundada na justiça e caridade, não remove todas as distinções entre os homens, mas, das variedades da vida, dos deveres, e das ocupações, forma aquela união e aquela harmonia que naturalmente tende ao benefício e dignidade da sociedade.”

Com o advento do liberalismo ganhou força igualmente aquela sofismática proposição segundo a qual a cada Nação deve corresponder obrigatoriamente um Estado soberano e independente. Ora, sabemos que isso não é necessário, e muitas vezes, sobretudo na Idade Média – que os liberais tanto odeiam! –, nem sempre isso ocorreu. Em determinados momentos, um só Estado era soberano sobre várias Nações, v.g., o Sacro Império Romano Germânico e o Império Austro-Húngaro. Em outros, uma mesma Nação estava politicamente presente e dividida em diversos Estados, como a Espanha antes da reunião das coroas sob Fernando e Isabel, ou a Itália antes da unificação; também é exemplo a Alemanha, após a ruptura do Sacro Império (I Reich), a qual restou fragmentada em muitos Estados soberanos, reunificados mais tarde sob a ação do Kaiser e de Bismarck (II Reich).

O conceito de Nação, a valorização da cultura nacional, um certo nacionalismo, são bons e necessários na mentalidade católica. O que não deve ocorrer é uma desregrada acentuação nacionalista, raiz de totalitarismos – outro argumento acerca da origem liberal do Estado totalitário –, e geradora de guerras injustas. Durante o Medievo, os sentimentos nacionais foram profundamente valorizados. A existência, porém, de outro conceito, o universalismo cristão, desenvolvido pela pertença à única e católica Igreja e pela liderança, se não política ao menos moral, de um único Imperador do Ocidente, temperou o nacionalismo para que não se transformasse em orgulho racial. Some-se ao universalismo a ausência de identificação necessária entre Nação e Estado. Removido pelos liberais o universalismo – a Igreja, no liberalismo, não seria detentora da verdade universal; aliás, nem haveria tal verdade, em face do relativismo e livre-pensamento –, e criado o mito de que a cada Nação deve corresponder um Estado, prepara-se o terreno para as grandes guerras mundiais do século XX. Foi um nacionalismo exagerado – produto direto das idéias liberais, e totalmente avesso ao sadio patriotismo de inspiração tão cristã –, que desencadeou a I e a II Guerras.

O Estado Moderno, nacional, encontra-se em crise, todavia. Ruma o mundo para a unificação em um só Estado. Entretanto, tal unificação opera-se de modo diferente daquela efetuada sob Carlos Magno, sob Otão I, ou sob os Habsburgo. Desejam os condutores do atual estágio do liberalismo não uma unidade na qual existam várias Nações. Por não terem conseguido remover a vinculação entre Nação e Estado, caminham em direção a um Estado único com uma Nação única. Constatamos facilmente a verossimilhança da tese ao assistirmos como os elementos nacionais saudáveis estão sendo removidos gradativamente no processo de unificação da Europa. A moeda única – o euro – foi o grande passo do Estado nacional ao ainda mais tenebroso Super Estado nacional. E a raiz de tudo é a gnose revolucionária, igualitária e maniqueísta, monstro que se agigantou com a escola filosófica liberal do século XVIII.

No embate, já clássico, entre os Estados Unidos e os totalitarismos – primeiro contra o III Reich, depois contra os alinhados à União Soviética –, ou, em sua versão contemporânea, George W. Bush e a Al Qaeda ou Saddam Hussein, não se defende a América por seus princípios liberais e modernos. Tanto quanto o nazismo, comunismo e radicalismo islâmico, o Iluminismo da modernidade é pernicioso, perigosíssimo para a visão cristã de mundo! Defender os EUA só é legítimo pelos valores cristãos que nela foram preservados.

A modernidade tentou acabar com Cristo. Não o conseguindo, tal papel foi reservado aos seus aparentes inimigos. Quem quer que hoje pretenda salvar a civilização cristã ocidental, a moral tradicional, os valores do Reinado Social de Jesus Cristo, deve colocar-se contra o terrorismo muçulmano e as reedições do comunismo e do nazismo (Michael Moore, Noam Chomsky, Fórum Social Mundial, Foro de São Paulo, PT, Hugo Chávez, Fidel Castro, pró-aborto, pró-gay, ecologismo radical etc), não por amor à modernidade, eis que também ela é incompatível com a teoria e a práxis eclesiais, mas para dela salvar os poucos pontos de uma cultura cristã sobrevivente, de uma noção não de todo apagada de que há um bem e um mal, de que a razão deve harmonizar-se à fé, de que Deus não é inimigo de um saudável humanismo.

Falando de duas óticas modernas acerca do Direito, já me pronunciei em texto jurídico anteriormente publicado: “Os dois sistemas são filhos da Renascença, que tomou impulso em seu falso humanismo, terrivelmente antropocêntrico, com as idéias liberais universalizadas após a Revolução Francesa de 1789. Correto é afirmar que o humanismo renascentista e a filosofia liberal iluminista constituíram duas etapas do mesmo processo revolucionário, o qual, temendo a realidade – que contrariava os interesses egoístas de muitos –, a distorceu para implantar a ideologia. Daí, o Terror da era das guilhotinas, a fúria de Napoleão, as lutas fratricidas pelas unificações nacionais – a união necessária entre Estado e Nação é produto do liberalismo –, o pan-eslavismo da Sérvia e dos czares ocidentalizados, o pan-germanismo de Kaiser e de Bismark, a substituição da Civilização Cristã pela modernidade e o culto ingenuamente otimista no progresso, o contratualismo romântico de Rousseau, o socialismo utópico de Proudhon, sua versão pseudo-científica marxista, o ódio de Lênin e Stálin, o racismo político e doutrinário de Hitler, a adoração fascista pelo Estado, os defensores de pretensos ‘direitos’ dos animais, o pensamento politicamente correto, todas as espécies de igualitarismos e totalitarismos, a liberdade do erro, os movimentos pró-aborto, as gnoses dos conservadores e falsamente aristocráticos, as reações esquerdistas, um democratismo irracional etc.”

Quando se pensa em contrapor à modernidade liberal os discursos totalitários, o que ocorre é uma luta “familiar” dos filhos contra os pais. Não há dúvida de que o nazismo e o comunismo do século XX têm idêntica matriz filosófica, e o têm no liberalismo do século XIX, na Ilustração do século XVIII, no despotismo esclarecido do século XVII, e no Renascimento gnóstico e antropocêntrico dos séculos XV e XVI.

Igual operação deve ser feita na comparação entre o radicalismo do Islã e a modernidade. A bem da verdade, ainda que a jihad seja um conceito antigo e intrínseco ao islamismo, sua revitalização – que parece esquecer até mesmo a rica contribuição cultural do mundo árabe à humanidade –, na forma de guerrilhas e atentados terroristas – financiados por uma complexa séria de investimentos no Ocidente –, é produto típico da modernidade. Se contra ela, Osama Bin Laden e sua turma parecem dirigir suas ofensivas, o motivo é que, longe de acabar com a modernidade mesma, o que intentam é remover os vestígios de cristianismo que nela existem – veja-se as ameaças ao Vaticano, que de moderno nada tem!

A modernidade não é cristã. Pelo contrário, sustenta teses anticristãs, e a religiosidade dos terroristas, sob um ponto de vista, é um elo com o cristianismo. Muito embora esse detalhe, ainda que seja radicalmente contra a cultura cristã, o pensamento moderno não conseguiu de todo apagar certos traços do cristianismo, persistindo este em um campo minado, mas vivo.

O Islã não é inimigo da modernidade. É inimigo da Cristandade que sobrevive na modernidade, mesmo que esta lhe seja francamente antagônica. Presta assim o radicalismo islâmico enorme contribuição ao liberalismo, atacando o cristianismo em suas bases culturais mais profundas, como o tentaram o nazismo e o comunismo.

Não é simplório nem maniqueísta o quadro atual: radicalismo X modernidade. Bem mais complexo, o combate é do radicalismo muçulmano contra retalhos de cristianismo presentes na modernidade. Daí a imperiosa necessidade de, ainda que condenando os valores modernos anticristãos, tentar salvar o Ocidente das ameaças terroristas, não para perpetuar a modernidade e o Iluminismo, senão para defender o que resta neles do nome cristão, e, sob seus escombros, escrever um futuro decente, sem mentiras e subterfúgios, certamente com uma Europa e uma América que não se envergonhem de seu glorioso passado.

Dr. Rafael Vitola Brodbeck - advogado

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