✩08/11/1920
✝09/07/2012
"Voltou para a casa do Pai o homem que lutou para conseguir construir um mundo mais justo e humano, e que amou a Igreja até o fim de seus dias."
Dom Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro(RJ)
"A fé do nosso povo está marcada fortemente pela religiosidade popular, a que o
Santo Padre Bento XVI chama de “precioso tesouro da Igreja Católica”. Na sessão
inaugural da Conferência de Aparecida, a 13 de maio de 2007, afirmou: “Esta
religiosidade expressa-se também na devoção aos Santos com as suas festas
patronais, no amor ao Papa e aos demais Pastores, no amor à Igreja universal
como grande
família de Deus que nunca pode, nem deve, deixar abandonados ou na miséria os
seus próprios filhos. Tudo isto forma o grande mosaico da religiosidade popular
que é o precioso tesouro da Igreja Católica na América Latina, e que ela deve
proteger, promover e, naquilo que for necessário, também
purificar”.
Sobre essa matéria, a História eclesiástica nos dá
importantes lições: comemorações judaicas e pagãs e sua relação com o Ano
Litúrgico; os sofrimentos em decorrência da heresia dos iconoclastas; o papel de
certos símbolos na psicologia
do povo. Além disso, já nos primeiros séculos observou-se no culto cristão um
aproveitamento das formas de piedade privada, integradas pela
Igreja.
Grandes eventos, que hoje celebramos, surgiram das festividades
israelitas e do paganismo. Em vez de destruir, os primeiros cristãos substituíam
adaptando ao Evangelho, os elementos válidos ali subjacentes.
As
primitivas comunidades tinham suas raízes no calendário hebreu. Assim do
qüinquagésimo dia, a “Festa das Semanas”, vem a fixação do dia de Pentecostes. O
mesmo processo ocorre quanto às outras religiões existentes. A data ocupava o
lugar da efeméride, preservando o que havia de verdadeiro e aproveitável no
costume reinante.
No Brasil, respeitou-se a mesma pedagogia. Foi ela
usada pelos missionários que utilizaram certas cerimônias rituais indígenas ou
africanas, dando-lhes sentido cristão. Não se tratava absolutamente de
sincretismo, mas de um novo conteúdo verdadeiro, isento de erro, sob uma
roupagem aceitável na visão cristã. Os nativos e escravos não possuíam um credo
orgânico e rigorosamente explicitado. Ele era, na verdade, uma manifestação,
mesmo restrita, da religião natural. Ora, este é o alicerce da própria
Revelação.
Essas considerações ajudam a descobrir a importância de certas
práticas, hoje em dia, para a evangelização. Desprezá-las é cometer um grave
erro pastoral.
No início do período pós-conciliar, o entusiasmo pela
purificação de elementos introduzidos no decorrer dos
séculos, levou alguns a combaterem exatamente o elo que ainda conservava, no
seio da comunidade cristã, os fracos, os pequenos na fé. Deu-se um grande
destaque ao concernente à inteligência, em prejuízo de usos que, mesmo falhos,
falavam mais ao coração. Na aridez a planta fenece. E, então, muitos foram
buscar, em doutrinas espúrias, o que lhes faltava na comunidade eclesial, embora
continuassem a se declarar católicos. Imagens foram retiradas, tentaram liquidar
as associações dos fiéis: Cruzadas, Filhas de Maria, Apostolado da Oração etc. E
o que era apresentado como substitutivo não satisfazia às aspirações de nossa
gente. Isso faz-nos lembrar o tempo dos iconoclastas.
No entanto, muitos
desses costumes, que às vezes foram olhados com certo desprezo, possuem na
realidade, autêntico valor teológico. Alguns apenas estão acobertados por uma
roupagem que lhes dão um aspecto negativo e esconde a beleza existente, a
verdade evangélica. A Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”, nº 48, contém
valiosas e oportunas diretrizes.
Tomemos alguns exemplos: na devoção às
almas, o culto dos mortos, há em seu âmago o que proclamamos no Credo: “Creio na
comunhão dos santos”. Existe uma comunicação no sentido verdadeiro entre a
Igreja militante, padecente e triunfante. Nós invocamos os santos. Aos
falecidos, privadamente, podemos em sã doutrina, solicitar a intercessão junto
ao único mediador, o Cristo. Com a Cabeça do Corpo Místico, todos nos
comunicamos por seu Espírito: o sangue Redentor alimenta os que estão no céu, na
terra e no purgatório. Quem poderá negar a atualidade das missas de exéquias se
a própria Liturgia as inclui em sua Instrução Geral do Missal Romano? Com os
mortos relaciona-se o uso das velas. Acendê-las é, em si, um ato religioso. Em
vez de deixá-lo fácil presa da superstição, demos-lhe uma configuração católica
verdadeira. Combater seu uso em lugares impróprios, sim.
No Santuário de
Nossa Senhora de Lourdes, na França, o sacerdote conclama que todos levem aos
confins do mundo aquele círio, que representa a salvação do Redentor, que vence
as trevas do erro. “Luz de Cristo!”, cantamos na Vigília Pascal. E o que dizer
da procissão das velas no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em
Portugal!
A procissão é manifestação visível da comunidade eclesial que
caminha em busca da Casa do Pai. Em vez de suprimi-la, fazer sobressair, por uma
catequese autêntica, o seu extraordinário significado.
A água benta está
intimamente vinculada ao batismo. O simbolismo que encerra, mostra a vida nova,
a purificação das faltas, a verdadeira fonte: o Redentor.
E os exemplos
poderiam ser multiplicados.
Não quero com estas considerações alimentar
erros que possam estar ali inseridos, mas sim que possam ser emendados. Para
tanto, impõe-se corrigi-los com prudência e caridade, sem extinguir o que atende
às necessidades espirituais de muitas pessoas.
Nas expressões da
religiosidade popular há um extraordinário e indispensável instrumento de
divulgação e inserção do Evangelho na vida de nosso povo. Fazê-lo é prova de
inteligente zelo apostólico."
Cardeal Eugenio de Araujo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de
Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário