"Os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no
chão os frutos. O que não sabem é plantá-las..." [ Roberto Campos ]
Milhões de pessoas foram mortas por regimes comunistas no século XX. Só pra lembrar alguns exemplos, podemos falar do genocídio de Holodomor na Ucrânia e também do extermínio em massa em Camboja, liderado pelo secretário-geral do Partido Comunista, Pol Pot, que matou mais de 1 milhão de pessoas. Isso se não mencionarmos os nomes de ditadores genocidas como Mao Tsé-Tung, Josef Stalin ou Adolf Hitler. Estima-se que, juntos, os três tenham matado aproximadamente 100 milhões de pessoas.
Os críticos do socialismo não tinham somente motivos ideológicos para criticá-lo. O sistema político foi duramente criticado por teóricos do século XX também por apresentar propostas totalitárias totalmente opostas à correta aplicação dos direitos humanos. O Papa Pio XI, na encíclica Divini Redemptoris, deplorou os crimes perpetrados pela ideologia socialista no mundo: “Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões” (n. 19).
Quando me perguntaram por que eu não simpatizava com o comunismo, expliquei que não podia concordar com tantas atrocidades cometidas por esse sistema político. A resposta foi imediata: “Se és anticomunista porque o comunismo matou pessoas, então por que és católico, se a Igreja Católica assassinou ainda mais pessoas?”
A pergunta faz sentido. Para aqueles que têm uma mentalidade formada pelo anticlericalismo comum a grande parte de nossos professores de História e pelo ódio que a mídia fomenta contra a obra católica, a dúvida faz muito sentido.
Vamos, primeiramente, analisar a pergunta do sujeito. Ele afirma que a Igreja Católica assassinou “ainda” mais pessoas que o comunismo. Mas, será que essa afirmação é verdadeira? Transitemos pelo fato histórico que hoje é comentado pelo mundo moderno como símbolo da intolerância e da “crueldade” da Igreja: a Inquisição. Historiadores modernos sérios têm investigado o assunto e concluído que a caracterização desse tribunal eclesiástico como uma instituição perversa e sanguinária não passa de lenda inventada pelos filósofos iluministas para derrubar a força da Igreja Católica. Em verdade, o número de mortes por execução em fogueiras é bem menor do que é anunciado nas nossas salas de aula e o uso de tortura não era tão frequente como se pensa. (Não duvidamos de que houve, sim, abusos, cometidos por alguns inquisidores, mas, esses abusos não representam a totalidade do pensamento cristão e nem podem ser chamados de verdadeiro testemunho do que foi a Inquisição).
Além disso, é preciso sempre analisar um texto em seu contexto. A Inquisição se deu durante a Idade Média. A mentalidade popular estava totalmente moldada pelo pensamento religioso e a ligação entre o Estado civil e a Igreja era fortíssima. Encontramos na doutrina de São Tomás de Aquino alguns ensinamentos importantes para compreendermos esse assunto. P. ex., na Suma Teológica (II-II, questão 11, art. 3), lemos: “É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é o meio de prover à vida temporal”. Ora, continua S. Tomás, “se (…) os falsificadores de moedas e outros malfeitores são (…) condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte”.
A filosofia corrente nessa época da história nos permite inferir que a instituição de pena de morte para crimes de heresia não era considerada violenta como o é hoje. É porque, infelizmente, muitos deturpam a realidade histórica e tiram a Inquisição do seu contexto. Inclusive, foi nessa linha que se pronunciou João Paulo II aos cientistas participantes no simpósio sobre esse tema: “O Magistério eclesial não pode, certamente, propor-se a realizar um ato de natureza ética, como é o pedido de perdão, sem antes ter-se informado com exatidão acerca da situação daquele tempo”.
E qual é a situação daquele tempo? Olhemos para a justiça civil da Idade Média e início da Idade Moderna. Temos um precário sistema de investigação para crimes e frágeis sistemas de reabilitação para criminosos. A pena de morte era como que a única alternativa encontrada pelo Estado naquele tempo para executar punições. E isso, por acaso, contradiz os mandamentos da lei de Deus? Não está escrito “Não matarás” na Bíblia Sagrada? Será que podemos falar de contexto em um tempo onde a Igreja, ciente desse mandamento da lei de Deus, mesmo assim, o usava entregar os hereges obstinados ao braço secular para que fossem executados?
A Sagrada Escritura verdadeiramente tem essa lei. Mas, ao mesmo tempo, a lei de Moisés, que foi aperfeiçoada pela lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, prescrevia pena de morte para pecados como adultério, homossexualismo e homicídio. Entende-se, então, que Deus está fazendo referência, ao afirmar que não devemos matar, a pessoas inocentes. Em todo o tempo matar inocentes e justos é um pecado que clama aos Céus. No entanto, ao falarmos de criminosos, precisamos diferenciar tempos. Há leis eternas e leis temporais. Eternas são aquelas que são válidas para todos os povos, em todos os tempos; temporais são válidas somente para um determinado período da história. Ora, ninguém duvida que a pena de morte é uma lei temporal, pois o homem nem sempre gozou de métodos eficientes de restituição social para infratores durante a história.
É, mas e o contexto do século XX? Será que ele nos permite dizer que os crimes do socialismo na verdade não são tão cruéis e perversos como se diz hoje? Sim, por que se o argumento do contexto é válido para analisarmos a Inquisição, certamente também é válido para analisarmos o genocídio comunista no último século.
Durante o tempo da Inquisição, havia uma geral aceitação do rigor. Durante a prosperidade dos regimes comunistas, no entanto, houve sempre muitos protestos contra os crimes perpetrados em nome da revolução, seja por líderes de direita seja por representantes da ala esquerdista. Durante o tempo da Inquisição, os hereges eram condenados ou inocentados após uma criteriosa investigação; se comprovados que eles verdadeiramente se obstinavam em defender um modo de vida muitas vezes ameaçador à própria sociedade cristã daquele tempo, eram entregues ao braço secular e, por fim, executados; isso quando não eram liberados pelo Tribunal com brandas penitências. Durante a perseguição do socialismo alemão aos judeus, eram mortos sem piedade judeus, negros e deficientes, em nome da supremacia da raça ariana. Durante a tentativa dos socialistas em consolidarem a “sociedade sem classes”, eram eliminados todos aqueles que eram considerados empecilhos para a concretização dos ideais socialistas. E aqui está o problema: as pessoas que eram mortas pelos regimes revolucionários eram assassinadas em nome de um futuro hipotético. Valia tudo para concretizar os ideais comunistas… Crimes definitivamente indefensáveis.
Mas, por que eles ocorreram? Há muitos motivos, mas um deles está relacionado com a ausência de moralidade presente no pensamento socialista. O comunismo nega a existência de Deus, nega a importância da religião. É essencialmente materialista. O brado de Dostoievski é particularmente importante para compreendermos os crimes perpetrados em nome do ateísmo no século XX, que, diga-se de passagem, ocorreram em um número bem mais assombroso e assustador do que o real número de “crimes cometidos em nome da religião”. Ele dizia que, se Deus não existe, então tudo é permitido. A afirmação faz sentido na medida em que explica a importância da lei cristã para a formação da moralidade tradicional. A fé em Deus põe limites às paixões do homem.
Os ataques que muitos ateus promovem hoje à religião podem parecer desencorajadores. No entanto, mais desencorajadoras que as críticas são as atitudes daqueles que querem condenar a religião, mas acabam por não olhar para a história sangrenta e desumana do comunismo ateu durante o século passado.
Everth Queiroz Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário