1. O sentido da celebração
Na quinta-feira, após a solenidade da Santíssima Trindade, a Igreja celebra devotamente a solenidade do Santíssimo Corpo e
Sangue de Cristo, festa comumente chamada de Corpus Christi. A motivação
litúrgica para tal festa é, indubitavelmente, o louvor merecido à Eucaristia, fonte de vida da Igreja. Desde o
princípio de sua história, a Igreja devota à Eucaristia um zelo especial, pois
reconhece neste sinal sacramental o próprio Jesus, que continua presente, vivo e
atuante em meio às comunidades cristãs. Celebrar Corpus Christi significa fazer
memória solene da entrega que Jesus fez de sua própria carne e sangue, para a
vida da Igreja, e comprometer-nos com a missão de levar esta Boa Nova para todas
as pessoas.
Poderíamos perguntar se na Quinta-Feira Santa a Igreja já não faz esta
memória da Eucaristia. Claro que sim! Mas na solenidade de Corpus Christi estão
presentes outros fatores que justificam sua existência no calendário litúrgico
anual. Em primeiro lugar, no tríduo pascal não é possível uma celebração festiva
e alegre da Eucaristia. Em segundo lugar, a festa de Corpus Christi quer ser uma
manifestação pública de fé na Eucaristia. Por isso o costume geral de fazer a
procissão pelas ruas da cidade. Enfim, na solenidade de Corpus Christi, além da
dimensão litúrgica, está presente o dado afetivo da devoção eucarística. O Povo
de Deus encontra nesta data a possibilidade de manifestar seus
sentimentos diante do Cristo que caminha no meio do Povo.
2. Origem da solenidade
Na origem da festa de Corpus Christi estão presentes dados de diversas
significações. Na Idade Média, o costume que invadiu a liturgia católica de
celebrar a missa com as costas voltadas para o povo, foi criando certo
mistério em torno da Ceia Eucarística. Todos queriam saber o que acontecia no
altar, entre o padre e a hóstia. Para evitar interpretações de ordem mágica e
sobrenatural da liturgia, a Igreja foi introduzindo o costume de elevar as
partículas consagradas para que os fiéis pudessem olhá-la. Este gesto foi
testemunhado pela primeira vez em Paris, no ano de 1200.
Entretanto, foram as visões de uma freira agostiniana, chamada Juliana, que
historicamente deram início ao movimento de valorização da exposição do
Santíssimo Sacramento. Em 1209, na diocese de Liége, na Bélgica, essa religiosa
começa ter visões eucarísticas, que se vão suceder por um período de quase
trinta anos. Nas suas visões ela via um disco lunar com uma grande mancha negra
no centro. Esta lacuna foi entendida como a ausência de uma festa que celebrasse
festivamente o sacramento da Eucaristia.
3. Nasce a festa do Corpus Christi
Quando as idéias de Juliana chegaram ao bispo, ele acabou por acatá-las, e em
1246, na sua diocese, celebra-se pela primeira vez uma festa do Corpo de Cristo.
Seja coincidência ou providência, o bispo de Juliana vem a tornar-se o Papa
Urbano IV, que estende a festa de Corpus Christi para toda Igreja, no ano de
1264.
Mas a difusão desta festa litúrgica só será completa no pontificado de
Clemente V, que reafirma sua significação no Concilio de Viena (1311-1313).
Alguns anos depois, em 1317, o Papa João XXII confirma o costume de fazer uma
procissão, pelas vias da cidade, com o Corpo Eucarístico de Jesus, costume
testemunhado desde 1274 em algumas dioceses da Alemanha.
O Concílio de Trento (1545-1563) vai insistir na exposição pública da
Eucaristia, tornando obrigatória a procissão pelas ruas da cidade. Este gesto,
além de manifestar publicamente a fé no Cristo Eucarístico, era uma forma de
lutar contra a tese protestante, que negava a presença real de Cristo na hóstia
consagrada.
Atualmente a Igreja conserva a festa de Corpus Christi como momento litúrgico
e devocional do Povo de Deus. O Código de Direito Canônico confirma a validade
das exposições publicas da Eucaristia e diz que principalmente na solenidade do
Corpo e Sangue de Cristo, haja procissão pelas vias públicas (cân. 944).
4. A celebração do Corpo de Cristo
Santo Tomás de Aquino, o chamado doutor angélico, destacava três aspectos
teológicos centrais do sacramento da Eucaristia. Primeiro, a Eucaristia faz o
memorial de Jesus Cristo, que passou no meio dos homens fazendo o bem (passado).
Depois, a Eucaristia celebra a unidade fundamental entre Cristo com sua Igreja e
com todos os homens de boa vontade (presente). Enfim, a Eucaristia prefigura
nossa união definitiva e plena com Cristo, no Reino dos Céus (futuro).
A Igreja, ao celebrar este mistério, revive estas três dimensões do
sacramento. Por isso envolve com muita solenidade a festa do Corpo de Cristo.
Não raro, o dia de Corpus Christi é um dia de liturgia solene e participada por
um número considerável de fiéis (sobretudo nos lugares onde este dia é feriado).
As leituras evangélicas deste dia lembram-nos a promessa da Eucaristia como Pão
do Céu (Jo 6, 51-59 - ano A), a última Ceia e a instituição da Eucaristia (Mc
14, 12-16.22-26 - ano B) e a multiplicação dos pães para os famintos (Lc
9,11b-17 - ano C).
5. A devoção popular
Porém, precisamos destacar que muito mais do que uma festa litúrgica, a
Solenidade de Corpus Christi assume um caráter devocional popular. O momento
ápice da festa é certamente a procissão pelas ruas da cidade, momento em que os
fiéis podem pedir as bênçãos de Jesus Eucarístico para suas casas e famílias. O
costume de enfeitar as ruas com tapetes de serragem, flores e outros materiais,
formando um mosaico multicor, ainda é muito comum em vários lugares. Algumas
cidades tornam-se atração turística neste dia, devido à beleza e expressividade
de seus tapetes. Ainda é possível encontrar cristãos que enfeitam suas casas com
altares ornamentados para saudar o Santíssimo, que passa por aquela rua.
A procissão de Corpus Christi conheceu seu apogeu no período barroco. O
estilo da procissão adotado no Brasil veio de Portugal, e carrega um estilo
popular muito característico. Geralmente a festa termina com uma concentração em
algum ambiente público, onde é dada a solene bênção do Santíssimo. Nos ambientes
urbanos, apesar das dificuldades estruturais, as comunidades continuam
expressando sua fé Eucarística, adaptando ao contexto urbano a visibilidade
pública da Eucaristia. O importante é valorizar este momento afetivo da vida dos
fiéis.
Texto de Fr. Evaldo César de Sousa, C.Ss.R
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