
Também procurei imaginar o que seria ver-me pouco a pouco reduzido a
escombros pelas dores insuportáveis de um câncer, mergulhado em dias e noites
sem fim repletos de sofrimentos intoleráveis, sofrimentos desprovidos de
qualquer sentido ou valor, simples brincadeira de mau gosto perpetrada por uma
natureza cega e cruel.
Tentei adivinhar o que significaria não haver Lei
Divina para indicar-me os caminhos seguros pelos quais a minha vontade poderia
transitar livremente; o que significaria ter a liberdade de "fazer tudo o que bem entendesse", sem nenhum
limite a não ser a preocupação de permanecer do lado de fora da penitenciária.
Tentei imaginar os esforços febriciantes que faria para arrancar à vida todas as
satisfações que ela pudesse dar-me, a fim de agradar ao meu ego e à minha carne;
as noites insones que passaria a suar, pensando em que o nada eterno poderia
abater-se sobre mim antes de eu ter desfrutado até o fim de todos os prazeres da
vida.
É evidente que um ateu não pensa nestes termos. Se chegasse a
raciocinar de maneira tão consequente, em pouco tempo deixaria de ser ateu...
Assim, quando a morte lhe arranca algum dos seus seres queridos,
transfere para o agente funerário a tarefa de levar o corpo ao crematório e de
espalhar as cinzas nalgum canteiro onde possam fertilizar as flores; ou então
colocá-las, guardadas numa urna, sobre um aparador, como as vezes se guarda
pétalas desfolhadas de uma rosa. E quando se apresenta a doença, aceita-a
rangendo os dentes, porque, lamentavelmente faz parte "das regras do jogo";
aliás, se a situação for desesperadora, sempre pode recorrer a um atalho: uma
pequena dose de veneno fulminante, ou mesmo um revólver ou uma corda, poderão
constituir a solução definitiva.
Quanto à "lei moral objetiva", só os
"fracos" precisam desta muleta; para ele , a simples decencia é o que basta para
manter um homem livre de remorsos, principalmente se estiver reforçada pelo
"amor à humanidade". Amor pela" humanidade" em abstrato, é claro, não por esses
idiotas ignorantes da favela próxima, que não são capazes de lavar as mãos!
Na verdade, parece-me que nunca encontrei nenhum ateu autêntico;
encontrei pessoas que diziam não aceditar em Deus ou no outro mundo. Via de
regra, porém, essas pessoas afirmavam a sua descrença de maneira tão agressiva,
e pareciam tão ansiosas por argumentar acerca dela, que se tinha a impressão de
estarem continuamente lutando com sua própria consciência. Uma pessoa na qual a
fé religiosa estivesse completa e autenticamente morta não daria um tostão
furado pelos que os outros cressem ou deixassem de crer. Sempre penso que ainda
há uma esperança para esses pretensos ateus que procuram a todo custo converter
os outros a sua falta de fé; isto significa que se encontram divididos por
dentro, pois onde há fumaça, há fogo; e mesmo que haja apenas um pouco de
fumaça, quem sabe se algum dia esse braseiro quase extinto não receberá o sopro
que faça brotarem novamente as chamas da fé?
Isto não significa que
valha a pena discutir com um ateu.
Se este fosse capaz de argumentar
lógicamente, não teria outro remédio senão admitir a validade das provas da
existência de Deus. E essas provas existem - provas sólidas e convincentes para
qualquer pessoa disposta a admitir as leis da evidência e a confiar na sua
própria capacidade de raciocínio. Infelizmnte, porém, "não há pior cego do
aquele que não quer ver". Com toda certeza, o ateu interromperá a nossa
paciente explicação com um gesto de desprezo e um sorriso condescendente ,
enquanto fala da nossa "credulidade" e da nossa espantosa capacidade de
auto-ilusão.
"Que é a verdade?",
perguntará com ar de superioridade (como Pilatos...), e a seguir: "Para começar, como e´que você sabe que tem uma
inteligência capaz de captar a realidade"? A seguir tentará esmagar-nos
com uma rápida sequencia de golpes baixos, dirigidos contra pretensas
dificuldades bíblicas"- "Como poderia uma
baleia ter engolido Jonas? Todo o mundo sabe que a garganta de uma baleia é
estreita demais para deixar passar um homem" - ou contra dogmas mal
interpretados - "Como pode haver fogo no
inferno? Afinal de contas, o fogo não é capaz de queimar um espírito" -
ou qualquer coisa desse estilo. Argumentará contra tudo e contra todos, exceto
contra a única questão realmente pertinente: Existe ou não um Deus diante do
qual somos responsáveis? Ah, e o argumento que considero definitivo, com o qual
pretende fazer-nos bater precipitadamente em retirada, não poderia ser senão
este: "Mas, meu caro, você é tão
medieval!!Parece ter nascido na Idade da Trevas!"...
Não, é
inútil discutir com um ateu.
Muitos fariseus viram com os seus próprios
olhos Cristo realizar milagres impressionantes, que demonstravam sua divindade
para além de qualquer dúvida, e no entanto afastaram-se dizendo: Ele tem um
demônio(cf. Lc 11, 14-20) Por isso se um ateu se empenha em "picar-nos" e em
provocar-nos para um debate, a melhor resposta que poderemos dar-lhe será dizer:
"Meu amigo, não discutirei com você, mas, isso
sim, rezarei pela sua conversão".
Afinal de contas já está
passando maus bocados com o esforço que tem de fazer para estrangular a sua
consciência, para justificar a sua conduta diante de si próprio, a fim de que a
sua vaidade tenha campo livre para inchar, Inchar e INCHAR. "Pois fique então com suas rezas",
responder-nos-á abespinhado o nosso interlecutor, "e acenda essas sua velas idiotas a quem quizer, já
que você continua querendo fazer o papel de tolo"; e assim só conseguirá
demonstrar até que ponto ficou irritado por não lhe termos dado oportunidade de
mostrar a sua esperteza.
Mas se nós efetivamente rezarmos por ele, e se
fizermos penitência por ele, e lhe dermos provas de uma caridade semelhante a de
Cristo, não tardará a chegar o dia em que o amor realizará aquilo que a
discussão jamais teria podido conseguir.
Padre Leo Trese
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