No antigo Oriente Médio, o nome não é uma simples etiqueta estranha à realidade, mero fruto de uma convenção de um grupo ou um povo, mas é considerado como misteriosamente relacionado com a realidade a que se refere. Por isso, dar nome a algo (pessoa, lugar etc.) é determinar o seu sentido ou destino (cf. Is 9,5; 2Sm 7,9; 8,13; 1Rs 1,47). Quando Deus muda o nome de Abrão e Jacó (Gn 17,5; 32,39; 35,10) é para eles numa nova vida que começa.
Para falar de Deus, a Bíblia hebraica utiliza diversos vocábulos. Isto mostra que Deus sempre é considerado como uma pessoa, e não uma força ou energia informe. Deus revela o seu nome porque deseja, antes de tudo, se tornar acessível a nós, colocando-se em relação conosco, e a partir daí, respeitando o seu interlocutor, manifestar paulatinamente quem Ele é em sua vida íntima, sua essência.
El designa, de modo geral, a divindade entre os povos semitas, com exceção dos etíopes. Seu significado originário é incerto (“ser forte”, “estar à frente” ou “em direção de”). El recorre acerca de 240 vezes no AT, em quase todos os extratos (dos mais antigos aos mais recentes). Aparece em formas compostas distintas: nomes de pessoas e localidades (Ismael, Betel etc.), e também nos apelativos divinos relacionados a experiêcias sobretudo patriarcais: ‘El-‘Elyô (Deus Altísimo: Gn 14,19-22); ‘El-Shaddá (Gn 17,1; sua tradução exata é incerta; “Deus Todo-poderoso” é a mais comum, mas inexata; “seria preferível entender como ‘Deus da Estepe’”; ‘El-‘Ôam (Deus eterno: Gn 21,23); ‘El-Betel (Deus de Betel [= casa de Deus]: Gn 35,7); ‘El-roi (Deus que me vê Gn 16,13); etc. Eloah é forma derivada de El. Ocorre 57 vezes no AT (cf. Jó).
Elohí (com ou sem artigo), que se traduz em geral por “Deus” –forma paralela à de El que aparece cerca de 2.600 vezes no AT, impondo-se a partir dos séculos IX-VIII a.C. Para alguns seria um plural intensivo de El. Assumindo e amadurecendo no tempo a língua de Canaã. Israel carrega este nome com toda a intensidade e originalidade de sua experiêcia religiosa; Elohim é Deus com toda a sua força.
Iahweh (Javé, nome prório do Deus de Israel (Deus de Abraã, Isaac e Jacó, que pode ser traduzido por “o Senhor” ou “o Eterno”. É usado 6.830 vezes no Antigo Testamento (seção hebraica). IHWH é o único Elohim (Deus) para todos os povos (cf. Sl 58,12: “Existe um Deus que faz justiça sobre a terra”; 1Rs 8,60), afirmação que é explícita em Dt 4,35.39, mas que se impor á somente no séulo VI a.C. (cf. Is 43,10s; 44,6; 45,5; etc.)[iv]. A expressã “Yahweh Seba’oth” é freqüente na Bíblia, especialmente entre os profetas. Significa “O Senhor dos Exércitos”. Seba’oth compreende todos os seres que no céu e na terra estão a serviço de Deus, o que a versão grega (LXX) traduziu por Pantokráor (“Todo-poderoso”: Jz 5,20; Sl 18,8-16; Js 10,10-15; Jó38,7). O redator final do Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm, Dt) nos apresenta uma evolução nesta revelação do nome divino: primeiro Deus é conhecido como Elohim (Gn 9,6), depois ele se revela aos patriarcas como El Shaddai (Gn 17,1; 28,3; etc.) e por fim a Moisés sob o seu nome de Javé (Êx 6,2s).
O tetragrama YHWH (cf. Fílon de Alexandria, filósofo judeu-helenista, +50 d.C., De vita Moysis, 1.2, § 115.132) é na Bíblia hebraica, o nome próprio do Deus de Israel, confirmado a Moisés na sarça ardente (Êx 3,13-15) –mas já conhecido antes, segundo a tradição de Gn 4,26 (Enó, filho de Set, teria sido “o primeiro a invocar o nome de Iahweh”). Moisés desejava saber o que dizer se interrogado sobre o nome divino (“Qual é o seu nome?” – v. 13); recebe 3 respostas:
a) a mais antiga – é a única que de fato responde à pergunta – é a do v. 15: “Iahweh, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó me enviou até vós. Este é o meu nome para sempre”;
b) essa resposta é comentada no v. 14b: “EU SEREI (‘èyè) me enviou até vós” – a frase sugere uma etimologia do nome de Javé aproximada de uma forma do verbo hayah, “ser”;
c) a fórmula célebre do v. 14a (‘èyè ‘ashè ‘èyè, “Eu serei quem serei” ou “Serei, sim, serei”; ou “Eu sou aquele que é contigo”, “Ele está[quer estar] aqui”), enfim, desenvolve a idéa do v. 14b. O autor não pôem visar uma definição de Deus em sentido abstrato (“Ser”), pois isto não acontecia em Israel; o verbo hayah é dinâmico, no sentido de “ser ativo”, “ser para”, “ser com”. Assim, em Êx 3,14 ecoa o compromisso de uma presença fiel e ativa de Javé para com seu povo.
O nome do Deus de Israel conhece duas formas: a forma longa (YHWH) e as formas curtas, possivelmente variantes ortográicas: YH (Ex 15,2; Is 38,11; Sl 94,7.12) e YHW (em aclamações litúgicas como “Hallelu Yah” = “louvai Yah”: Sl 104,35; 106,1). A forma longa (YHWH) se encontra nos textos mais antigos da Bíblia, como também na estela de Mesha (Moab, sé. IX), nas inscriçõs de Kuntillet-Ajrud (norte do Sinai, sé. IX-VIII), numa tumba de Khirbet El-Qom (séc. VIII) e nas cartas de Lakish (séc. VII). Talvez o nome remonte a uma época em que os semi nômades pré israelitas ainda não se tinham separado de outras populações semelhantes[vi] - todavia aos poucos o povo descobre que não há outro Deus além de YHWH.
O texto hebraico antigo não era vocalizado (com vogais), por isso a tradição se baseou nas transcrições gregas (iabè iaouè de Epifâio de Salamina (+403 d.C.) e de Teodoreto de Ciro (+ 458 d.C.; cf. PG 80:244) para reconstruir a pronúcia do Nome (Yahweh, “Javé”). Outras transcrições mais antigas (de S. Clemente de Alexandria, + 215 d.C., e Oríenes, + 253 d.C.) sugerem a leitura “Yahwô” ou “Yahû”.
Na tradução grega do Antigo Testamento (a versão dos LXX), Elohim é traduzido por hótheó (Deus), enquanto que YHWH é vertido por kýios (o Senhor) ou por kýios hótheó (o Senhor Deus). Essa tradução é significativa da atitude do judaímo, que, sobretudo a partir do séc. III (ou IV) a.C. – ou seja, após o exílio na Babilônia (587-538 a.C.) – se recusa a pronunciar o nome “três vezes santo”, para não lhe faltar ao respeito; era tido como “o nome que se escreve, mas não se lê”.
Segundo o Talmud, o nome santo só era proferido pelo Sumo Sacerdote quando, uma vez ao ano, entrava no Santo dos Santos no Dia da Expiação (Yom Kipur – cf. Lv 23,27s), ou pelos demais sacerdotes que abençoassem o povo segundo Nm 6,23-27; mesmo nestes casos o nome sagrado era pronunciado em voz muito baixa. Preferir-se á ler ‘adoná (lia-se “edoná”), “o Senhor”, no lugar de YHWH –não tanto no texto escrito (ketî), mas na pronúncia (qerê), ou seja, quando se lia.
As consoantes YHWH exigiam as vogais a e e – provocando a leitura YAHWEH (Javé). Os judeus costumavam pronunciar adoná, de modo que os rabinos medievais realizaram a fusão das consoantes de YHWH com as vogais de eDONAY (o Y é semi consoante, e por isso não entrou na composição final; a 1ªletra, representada por ‘ , é um áef, que não se lê, donde resultou JEHOVAH. A pronúncia é atestada por Raimundo Martini, autor da obra Pugio Fidei no ano de 1270; parece, porém, que estava em uso nas escolas rabínicas anteriores (talvez já no séc. VI d.C.). Por influência do calvinista Deodoro Beza de Genebra, os protestantes vão adotá-la a partir do séulo XVI. Está bem longe de ser o nome pronunciado por Moisés!
Conhecer e pronunciar o nome de Deus terá implicações importantes: 1Rs 8,60: “Assim, todos os povos da terra reconhecerão que somente Iahweh é Deus e que não há outro além dele”. A invocação do nome de Deus se encontra no âmago de toda oração e de todo ato de culto, pois ela significa a relação de pertençe ao Senhor e a súplica do seu favor (cf. Nm 6,22-27).
O Novo Testamento não utiliza o nome “Javé”. Mas Jesus veio para revelar o seu “nome” à humanidade (cf. Jo 17,6.26). O NT fala de Deus geralmente com o auxíio da locução hó Theó (Deus), que corresponde ao hebraico Elohim. Quanto a Kýios (Senhor), designa ora Deus mas também Jesus (cf. At 2,36). Foi Ele quem nos revelou o mistério de Deus como Pai (Abbà–Mc 14,36; Gl 4,6; Rm 8,15) e Espíito (Paráletos –Jo 14,16s), revelando-se igualmente como Filho (ou Lóos, Verbo –Mt 11,27; Lc 22,70s; Jo 1), e por isso, em sua natureza humana, recebe “o Nome que está acima de todo nome” (Flp 2,9s; cf. Mt 28,19; At 2,38)[viii]. No Antigo Testamento se fala de Deus como “pai” (cf. Sl 103,13; Dt 8,5; Os 11; Is 63,15-64,11; Eclo 23,1-6; etc.), mas sem o destaque recebido no Novo Testamento (254 vezes). Em Jesus o “nome de Deus” se completa: “Eu sou aquele que sou, agora, a partir de Jesus, significa: Eu sou aquele que vos salva”.
Concluindo: “Entre todas as palavras da revelação há uma, singular, que é a revelação do nome de Deus. Deus confia seu nome àqueles que crêm nele; revela-se-lhes em seu mistério pessoal. O dom do nome pertence à ordem da confiança e da intimidade. ‘O nome do Senhor é santo.’ Eis por que o homem não pode abusar dele. Deve guardálo na memóia num silêncio de adoração amorosa” (Catecismo, 2143).
Pe. Jonas Eduardo, MIC – Curitiba, 19.02.2008







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